Nota sobre o assassinato de Ngange Mbaye pela Polícia Militar de São Paulo: pelo fim da Operação Delegada!

A Associação Brasileira de Antropologia, por meio de seu Comitê Migrações e Deslocamentos, manifesta sua consternação e repúdio pelo assassinato do imigrante senegalês Ngange Mbaye, de 34 anos, pela Polícia Militar do Estado de São Paulo no dia 11 de abril de 2025. Ngange era trabalhador ambulante no bairro do Brás, ocupação compartilhada por milhares de outros imigrantes que moram na cidade – em especial africanos e haitianos. Ele foi assassinado enquanto defendia sua mercadoria, fonte de renda e de trabalho que sustentava a si e à esposa, grávida de 7 meses. Ao assassinato, seguiu-se a repressão violenta ao ato político organizado pela comunidade senegalesa de São Paulo no dia 12 de abril, com o uso do batalhão de choque e granadas de gás lacrimogênio para lidar com manifestantes pacíficos.

O assassinato de Ngange ocorre na esteira do crescimento da violência e da letalidade da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Os casos de violência contra imigrantes merecem ser destacados: Seringe Mbaye, senegalês morto em ação da polícia em abril de 2024 (também vendedor ambulante), e Bubbacarr Dukureh, gambiano morto em ação da polícia em maio de 2024. O assassinato de Ngange é, portanto, a terceira morte de um imigrante africano em ações da Polícia Militar de São Paulo em menos de um ano. Isso indica um uso desproporcional da força direcionada aos imigrantes negros.

Também é preciso sublinhar o crescimento da repressão das administrações municipal e estadual aos trabalhadores ambulantes da cidade de São Paulo. A Operação Delegada atua hoje com um convênio entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Governo do Estado. Criado com a justificativa de ordenar os bairros comerciais da cidade, esse convênio prevê a participação de agentes da Polícia Militar em ações de apreensão de mercadorias que violem os direitos de propriedade de grandes corporações sobre determinadas marcas e produtos, e ocorre em detrimento do estabelecimento de políticas públicas estruturadas para os trabalhadores do comércio ambulante da cidade de São Paulo. É preciso pontuar, em tempos como estes, que os governos estadual e municipal não devem empregar o uso de força, letal ou não letal, para atuar em nome de interesses privados, e, sim, ter políticas que garantam a seus cidadãos, brasileiros ou imigrantes, o direito de viver, trabalhar e usufruir da cidade em segurança.

Assim, a Associação Brasileira de Antropologia recomenda:

  1. A suspensão imediata, pelos governos municipal e estadual de São Paulo, da Operação Delegada em seus termos atuais, suspendendo imediatamente a participação da Polícia Militar do Estado de São Paulo nas operações de fiscalização do comércio ambulante de São Paulo.
  2. A publicização, pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e pelo Governo do Estado de São Paulo, a) das medidas tomadas contra os autores dos atos aqui mencionados, b) da razão para o elevado número de mortes de imigrantes africanos em abordagens policiais a partir de 2024, e c) do que o governo do Estado pretende fazer para reverter a situação.
  3. O acompanhamento das investigações pelo Ministério Público Estadual de São Paulo, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, o Conselho Municipal dos Imigrantes de São Paulo, e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, de maneira a garantir os direitos de reparação aos familiares da vítima e à comunidade.
  4. A verificação, pela Defensoria Pública da União, sobre a existência de violação sistemática dos direitos humanos da comunidade de imigrantes africanos e haitianos pelo município e pelo estado de São Paulo, e a tomada das medidas judiciais cabíveis.

Brasília, 16 de abril de 2025.

Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e seu Comitê Migrações e Deslocamentos

Leia aqui a nota em PDF.

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