A Associação Brasileira de Antropologia – ABA, junto com sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI, vem por meio desta manifestar extrema preocupação com o uso político que está sendo feito do povo indígena Xavante pelo Governo Federal, como laboratório para sua “política indigenista”.
O caso a que nos referimos é o da Cooperativa Indígena Sangradouro e Volta Grande – COOIGRANDESAN em funcionamento na Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande, formada a partir dos incentivos do Sindicato Rural de Primavera do Leste, Mato Grosso. O denominado “Projeto Independência Indígena”, idealizado pela direção do Sindicato Rural, é parte da mais recente investida de grupos econômicos e financeiros nacionais e internacionais do setor agropecuário sobre os territórios indígenas no cerrado mato-grossense.
Em registros disponíveis na página institucional da Funai e do referido Sindicato Rural na internet, e em vídeos realizados por alguns xavantes, há inúmeras evidências da ação desse sindicato na criação da Cooperativa Agrícola Indígena e do projeto agrícola. A organização de viagens à T.I. Pareci onde há outra cooperativa de produção de soja funcionando dentro da Terra Indígena e a realização de cursos de tratoristas etc. Como parte dessa estratégia, foi organizada a viagem de alguns xavantes à Brasília, que no último dia 15 de maio participaram, na Esplanada dos Ministérios, de um ato político em apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
O “Projeto Independência Indígena”, também chamado “Agroxavante”, foi avaliado pelo Ministério Público do município de Barra do Garças/MT, que ouviu alguns indivíduos xavante e o presidente do Sindicato Rural, agentes da Polícia Rodoviária Federal/MT, técnicos agrícolas que trabalham para este Sindicato e emitiu parecer positivo ao funcionamento dela. Ou seja, a “consulta” foi realizada exclusivamente com setores diretamente interessados na expansão da atividade agrícola monocultora extensiva ao interior desta e de outras Terras Indígenas no estado.
Não bastasse todo o assédio, há ainda a intimidação e todo tipo de ameaça às lideranças indígenas que se opõem ao projeto.
O discurso dos participantes da Cooperativa indígena repete incessantemente noções como miséria, fome, subdesenvolvimento para se referir a seu próprio povo. Se estes problemas existem a causa é o cerco do agronegócio no cerrado, e todos os projetos em trâmite de estradas, pequenas centrais hidrelétricas e ferrovia (FICO) que destroem a formas de vida do povo A’uwē Xavante junto com o cerrado. A entrada da lógica produtivista nas terras indígenas é o caminho que o atual governo adota na intensificação do etnocídio e genocídio que estamos testemunhando acontecer em diferentes latitudes do país.
Também é importante salientar que este não é um caso isolado, trata-se de uma política de governo envolvendo órgãos nos três níveis da esfera pública, incluídos vários parlamentares ligados ao setor agropecuário, autores de projetos de lei no Congresso Nacional que visam “legitimar” o que está acontecendo. A imprensa tem denunciado uma série de casos paralelos entre os Kayapó, Bakairi, além do caso que é a referência a este modelo, o dos Pareci.
Para a Associação Brasileira de Antropologia, o quadro é gravíssimo. E diante disso, insta o Ministério Público Federal – MPF para que, seguindo seu papel institucional, averigue os fatos e identifique os responsáveis pelo assedio e pelo uso político dos A’uwē Xavante e outros povos indígenas no bioma Cerrado.
Brasília, 19 de maio de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CA
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