Alerta da ABA Curso – Lato Sensu em Antropologia proposto pela FUNAI

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto com suas Comissões de Assuntos Indígenas, de Educação, Ciência e Tecnologia e seus Comitês de Laudos, de Quilombos, de Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, e de Inserção Profissional, manifesta profunda preocupação frente à informação divulgada pela imprensa[1] sobre proposta de curso de pós-graduação em Antropologia, lato sensu, a ser oferecido no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública/Funai.

Não é novidade um órgão público do Estado brasileiro oferecer cursos de Antropologia, voltados a dotar suas/seus servidoras/es de preparo técnico para desempenho de suas funções. Contudo, caso a informação seja procedente, a ABA alerta para os riscos envolvidos em propostas delineadas sem o devido cuidado em relação aos seguintes pontos:

  1. Precisão quanto ao público-alvo a que se destina, bem como a definição da gramaticalidade entre a formação que se pretende oferecer e a missão institucional do órgão responsável por ofertar o curso – algo de grande importância para o conhecimento público;
  2. Ter como requisito básico a apresentação de ementas e os programas detalhados das disciplinas, informações que são fundamentais para a própria verificação de seu escopo e imprescindível para os processos de avaliação;
  3. Caso o curso tenha foco na interdisciplinaridade, a ABA recomenda que não se mencione o termo antropologia no título ou no certificado a ser oferecido. Os parâmetros da formação em antropologia estão acuradamente descritos em documentos oficiais disponibilizados por agências de Estado, assim como em livros e textos balizadores dos princípios da ética antropológica, alguns deles publicados pela ABA;
  4. Previsão e transparência quanto aos recursos envolvidos e seu custo para o erário público. Além da exposição clara dos custos, a ABA recomenda o princípio de responsabilidade com o gasto e administração pública e sugere a celebração de convênios com Universidades Públicas (à semelhança de um Minter), que contam com programas e cursos de comprovada excelência em Antropologia;
  5. Previsão da aderência estrita das formações dos integrantes corpo docente que efetivamente trabalhará à proposta curricular estabelecida;
  6. A atenção aos gastos com a administração pública, para que não impliquem que funcionários públicos recebam verbas extras extraordinárias, oriundas do próprio poder público que os emprega;
  7. A ABA destaca que é preciso evitar a quebra do princípio da impessoalidade da/na administração pública no que tange aos critérios de seleção de docentes e discentes. Ao bem da lisura e da transparência, a via legal e idônea é a da abertura de um edital público para processo de seleção;
  8. Previsão sobre o risco potencial a que podem estar expostas as populações indígenas que, supostamente, terão contato com profissionais envolvidos no curso. A ABA recomenda o exame detido de propostas de curso, ainda mais necessário, tendo em vista as ações que a FUNAI – e outros órgãos governamentais – vêm promovendo na contramão da defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Dentre eles, está a garantia de sua integridade física, de acesso aos cuidados de saúde e aos territórios, livres e desimpedidos de invasores e ameaças da sociedade envolvente.

Pautada em seu código de ética e em princípios científicos, a ABA vem, portanto, alertar para os riscos e apontar os parâmetros básicos do que entendemos constituir uma sólida e responsável formação antropológica (tais parâmetros estão densamente consolidados na área de antropologia como espelhado nos programas de mestrado e doutorado stricto sensu autorizados a funcionar pelo CNE – todo programa aprovado pela CAPES precisa ser autorizado pelo CNE). No caso em destaque, e em consonância com a sociedade civil na observação dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais no país, estamos solicitando, via LAI (Lei de Acesso à Informação), que a FUNAI apresente a proposta do curso destacada pela imprensa, com a brevidade necessária para um exame mais detido.

             Brasília, 25 de agosto de 2020.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA, suas Comissões de Assuntos Indígenas, de Educação, Ciência e Tecnologia e seus Comitês de Laudos, de Quilombos, de Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, e de Inserção Profissional

[1] https://oglobo.globo.com/brasil/em-meio-crise-de-indios-isolados-no-acre-funai-vai-pagar-236-mil-por-curso-de-missionario-ruralista-24593976

https://apublica.org/2019/11/funai-substitui-antropologos-qualificados-por-profissionais-de-confianca-para-demarcar-terras-indigenas/

https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pressionada-por-falta-de-recursos-funai-vai-gastar-r-236-mil-em-curso-de-antropologia,70003405265

Leia aqui a nota em PDF.

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