BASTA!

NOTA DA ABA EM APOIO À CONSTITUIÇÃO, À DEMOCRACIA E À CIÊNCIA

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar seu apoio total à defesa da Constituição e da democracia no Brasil, tal como expressa pelo artigo de opinião “Basta!”, assinado pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) e publicado no jornal O Globo, em 24 de janeiro de 2021[1], à qual aderimos.

Estamos profundamente consternados com a situação dramática que estão vivendo as populações mais diversas do país, expostas à falta de tratamento hospitalar à COVID-19, de medidas de proteção à saúde nessa grave pandemia e à morte, devido às más condições sanitárias.

A posição já firmada pela ciência a respeito da inexistência de tratamentos preventivos à COVID-19 não impediu que o Ministério da Saúde continuasse a indicar e a financiar “medidas de prevenção”, sem amparo científico e alinhado à disseminação de ideias falsas sobre a doença e seu tratamento. A situação absurda à qual chegou a cidade de Manaus deixou horrorizados os cidadãos brasileiros e a comunidade internacional. A pandemia no país traz em seu rastro consequências ambientais, econômicas e sanitárias drásticas, em especial para grupos sociais mais vulneráveis, tais como as populações indígenas, quilombolas, negras, migrantes e refugiadas, mulheres e LGBTT+. As ações governamentais contrárias aos direitos das populações indígenas e quilombolas, especialmente os referentes a seus territórios, bem como os de outros grupos sociais vulneráveis nas áreas urbanas mobilizam esta associação científica, que conta com mais de 65 anos de existência, a pedir um basta a esse desgoverno.

Além disso, preocupa enormemente a disposição do Governo Federal de manter a PEC 55, que congela suas despesas, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos, o que tem gerado efeitos perversos em variadas áreas, especialmente nas de Saúde e de Educação. Há que ressaltar os efeitos drásticos da ausência de investimentos e de logística do Governo Federal na gestão da grave crise sanitária que assola o país e no adequado atendimento às vítimas de COVID-19, exemplificada, como indicado, pelas tragédias em curso em Manaus e Porto Velho, largamente noticiadas pelos veículos de comunicação, onde pacientes têm vindo a óbito por falta de oxigênio. Esta situação corre o risco sério e iminente de repetir-se em outras regiões do país. A falta de logística e de iniciativa política evidenciam-se também nas pífias compras, oferta e distribuição de insumos e de vacinas para se tentar frear a pandemia no Brasil.

A tudo isto somam-se os cortes orçamentários à área de ciência e tecnologia, bem como o desmonte das principais agências nacionais de avaliação e financiamento de pesquisas brasileiras. Nesse sentido, nos posicionamos contrariamente aos vetos do Governo Federal ao PLP 135/2020, que previa a liberação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e que podem impactar ainda mais o financiamento à ciência no país. Igualmente, vê-se o cerceamento à liberdade de ensinar e de pesquisar e ao pensamento crítico, nas esferas política, cultural e acadêmica, que atinge em especial as áreas de ciências humanas, sociais e sociais aplicadas e ganha grave materialidade tanto nos ataques à denominada, de modo equivocado pelo governo, “ideologia de gênero”, quanto na nomeação

recente de reitores de Universidades e Institutos Federais que não integravam a lista tríplice proposta por suas respectivas comunidades universitárias, rompendo a prática democrática seguida por governos anteriores.

Na mesma linha, é fortemente preocupante o apoio do Governo Federal a manifestações que incitam animosidades entre as Forças Armadas e a sociedade civil, bem como o ataque frontal a instituições fundamentais para a manutenção da Constituição Federal e da ordem democrática de direito.

Neste sentido, a Associação Brasileira de Antropologia soma-se a outras associações científicas que vêm manifestando seu compromisso com a democracia, com a Constituição Federal, com a ciência e com o direito à vida, os quais entendemos serem indissociáveis da defesa das populações vulneráveis, das práticas científicas respeitosas dos direitos destas populações, bem como do meio ambiente e da diversidade social e cultural, como valores fundamentais em si.

A ABA clama por um basta ao desgoverno que vive o país e por uma solução democrática e constitucional a esta situação.

Brasília, 27 de janeiro de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA

Patricia Birman (UERJ)
Maria Filomena Gregori (PPGAS/UNICAMP)
Lia Zanotta Machado (UnB)
Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ)
Carmen Silvia Rial (UFSC)
Bela Feldman-Bianco (Unicamp)
Carlos Alberto Caroso Soares (UFBA)
Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UnB)
Miriam Pillar Grossi (UFSC)
Gustavo Lins Ribeiro (UnB)
Ruben George Oliven (UFRGS)
João Pacheco de Oliveira (MN/UFRJ)
Roque de Barros Laraia (UnB)
Antônio Augusto Arantes (UNICAMP)
Manuela Carneiro da Cunha (University of Chicago)

[1] Disponível em https://oglobo.globo.com/opiniao/basta-24852411 [Acesso em 25 de janeiro de 2021]

Leia aqui a nota em PDF.

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