A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito aos valores jurídicos do Estado Democrático de Direito, preocupada com a edição da Medida Provisória 870 de 1º de janeiro de 2019, a qual retirou da Funai a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas, vem manifestar-se em favor dos direitos dos povos indígenas, nos seguintes termos:
A transferência da atribuição sobre processos demarcatórios da Funai para o Ministério da Agricutura, determinada pela referida medida provisória, configura medida não amparada pela sistemática de direitos dos povos indígenas do Brasil. De fato, tal transferência manifesta-se como uma opção governamental em tratar a questão indígena a partir de uma lógica meramente produtivista, tal como normalmente são tratadas as questões afetas ao Ministério da Agricultura, o que, contudo, não é a lógica das populações originárias, as quais enxergam os territórios que tradicionalmente habitam como elementos essenciais a modos de vida baseados no sócio-coletivismo, juridicamente legitimado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pela Constituição de 1988 e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Ademais, ao esvaziar a Funai, dela retirando atribuições, termina por ameaçar a própria existência da entidade, uma fundação pública, que, nesta condição, deve ter sua autonomia administrativa, patrimonial e financeira respeitadas, sob pena de se subordinar a interesses políticos – partidários de ocasião.
Lembra-se que a Funai é, no âmbito da estrutura da Administração Pública, o ente voltado especialmente para a efetivação dos direitos dos povos indígenas. Portanto, enfraquecer – como de fato se está enfraquecendo – essa fundação significa enfraquecer os direitos dos povos indígenas.
Em tal ponto, é importante recordar que, apesar de destinado especificamente a populações historicamente submetidas a práticas colonialistas pelo homem branco, os direitos dos povos indígenas contém, em sua essência, uma defesa universal da humanidade. Com efeito, respeitar os modos de vida sócio-coletivo das populações originárias é preservar modos de vida que não inserem a natureza como objeto de exploração, o que é imprescindível para fazer cessar o elevado grau de destruição de recursos ambientais, fato que ameaça a existência do planeta e, consequentemente, a sobrevivência de todos nós.
Dessa forma, medidas governamentais que enfraquecem os direitos das populações indígenas que vivem no Brasil é enfraquecer a segurança, a saúde e a vida de todas os brasileiros. E o que é mais grave: teme-se que se trate de apenas um ponto inserido em toda uma lógica governamental, que, nestes primeiros dias de gestão, esvaziou o Ministério do Meio Ambiente (transferindo respectivos órgãos para outras pastas) e, dentre outras ações, ainda retirou atribuições do Conselho de Segurança Alimentar.
Por tudo isso, a AJD: a) clama para que a presidência da república cumpra seu juramento de honrar a Constituição, restituindo as atribuições da Funai imprescindíveis para o respeito dos direitos dos povos indígenas; b) insta à toda sociedade exigir dos agentes governamentais o respeito desses direitos; c) presta solidariedade aos povos indígenas no atual momento em que a violação de seus diretos parece intensificar-se.
São Paulo, 04 de janeiro de 2019.