Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos

NOTA TÉCNICA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA SOBRE O DECRETO Nº 10.673, DE 13 DE ABRIL DE 2021

Em 13 de abril de 2021, foi publicado pelo Presidente da República o Decreto Nº 10.673, que “dispõe sobre a qualificação de unidades de conservação (UCs) no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização”.

Estão incluídas no Decreto nove UCs de proteção integral: 1) Floresta Nacional de Brasília- DF; 2) Parque Nacional da Serra dos Órgãos – RJ; 3) Parque Nacional da Chapada dos Guimarães – MT; 4)  Parque Nacional de Ubajara – CE; 5)  Parque Nacional da Serra da Bocaina – RJ e SP; 6)  Parque Nacional da Serra da Capivara – PI; 7)  Parque Nacional da Serra da Bodoquena – MS; 8) Parque Nacional do Jaú – AM; 9) Parque Nacional de Anavilhanas – AM.

Em fevereiro de 2021, os ministros do Meio Ambiente (Ricardo Salles) e do Turismo (Gilson Machado Neto) já haviam anunciado que os estudos para concessão seriam realizados no âmbito de uma parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO[1]). Esta parceria dá prosseguimento a iniciativas similares já iniciadas junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)[2].

Todas as UCs mencionadas no Decreto possuem problemas de regularização fundiária e sobreposição às terras tradicionalmente ocupadas por comunidades tradicionais, quilombolas e povos indígenas, vide anexo 1. Assim, a princípio, as concessões violam o direito destes grupos à consulta prévia, livre e informada e evidenciam o papel do Estado brasileiro na execução de uma política abertamente contrária aos povos e comunidades tradicionais.  Além da sobreposição territorial, estes grupos enfrentam outros conflitos decorrentes da ação de madeireiros, pecuaristas, especuladores imobiliários, entre outros agentes, sobre seus territórios e áreas protegidas. Nesta perspectiva, a Associação Brasileira de Antropologia considera que:

  • o Decreto viola direitos de povos indígenas e tradicionais cujos territórios têm sido sobrepostos pela criação das referidas UCs;
  • a experiência de concessão de serviços em UCs no Brasil carece de análises e de debate público;
  • o Decreto é oriundo de um contexto autoritário, no qual não foram publicizados: parecer do Conselho de Meio Ambiente, diagnósticos técnicos de caracterização socioambiental que considere os estudos científicos já realizados sobre estas áreas e análises de viabilidade e de preservação da sociobiodiversidade;
  • a proposta é orientada por um viés prevalentemente economicista que utiliza o discurso de insuficiência fiscal do Estado e do desenvolvimento sustentável do turismo como argumento para a defesa das concessões, comprometendo as funções públicas de instituições ambientais como o ICMBio e o IBAMA.

1- VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE POVOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS.

No Brasil existem 334 UCs Federais e, de acordo com o “Diagnóstico do Uso Público em Parques Brasileiros: a perspectiva da gestão (SEMEIA, 2021)”, a maioria não tem sua área total integralmente regularizada, incluindo-se os casos de sobreposição territorial a terras tradicionalmente ocupadas por distintos grupos étnicos.[3]  Há conflitos em 86% das UCs no Brasil e 40% destas não possuem plano de manejo (PM). Apenas 23% o possuem aprovado e condizente com a realidade atual. Entre as UCs que possuem PM (60%), somente em 18% o PM está integralmente implementado. Cabe ressaltar que grande parte dessas UCs é resultado do trabalho de proteção e conservação da biodiversidade realizado por estas comunidades, previamente à sua institucionalização. A invisibilização das sobreposições territoriais e pendências fundiárias que as envolvem, assim como as situações de conflito dela decorrentes são, por sua vez, consequências de ineficiência e ineficácia da gestão da própria política pública. A exploração de atividades da indústria do turismo, neste contexto, demanda, além da obediência a preceitos legais, mais critério e cautela. Estudos realizados sobre o turismo em áreas protegidas têm apontado para consequências indesejáveis e não previstas, como: aumento da especulação imobiliária, o aumento do custo de vida para a população local; aumento do preço da terra; superpopulação dos municípios em feriados e férias escolares; elitização do acesso às UCs através da cobrança de ingressos, e exclusão da população local do usufruto da área pública. Cabe ressaltar também que a concessão privada não é a única forma de gestão das UCs. Existem outras formas de parcerias, a exemplo do turismo de base comunitária, a co-gestão e as parcerias técnicas com fundações que, malgrado alguns insucessos, apontam na direção de usos mais sustentáveis e mais afinados com as demandas das populações locais.

2- EXPERIÊNCIAS DE CONCESSÃO NO BRASIL

O processo de concessão de serviços em UCs no Brasil se iniciou no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a concessão do Parque Nacional do Iguaçu, em 1999. Em 2011, no governo Dilma Roussef, a agenda de parcerias público-privadas para UCs se estruturou com o Projeto Parcerias Ambientais Público-Privadas (PAPP[4]). Entretanto, foi no governo Temer, com a aprovação da Lei 13.668, de 28 de maio de 2018[5], que o processo de concessão de UCs foi alavancado. Entre o final de 2018 e o início de 2019 foram assinados três contratos de concessão nos Parques Nacionais do Pau Brasil (BA), da Chapada dos Veadeiros (GO) e do Itatiaia (RJ/MG). Porém, até então, a agenda de parcerias para áreas protegidas estava sendo dirigida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do PAPP. Com o governo Bolsonaro, esta decisão passou a fazer parte da política do Programa Nacional de Desestatização (PND), cuja condução é realizada pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República. Este conselho é composto pelo presidente da República, dirigentes das pastas de sete Ministérios, com destaque para o Ministério do Turismo, do Meio Ambiente e os presidentes do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, entre outros. Em maio de 2019, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, sinalizou a intenção do governo de repassar 20 parques nacionais à iniciativa privada, por meio de um modelo de concessão definido por ele como “toma que o filho é teu”[6]. Segundo Salles, a meta é manter uma participação mínima do governo, flexibilizando ao máximo as restrições impostas aos parceiros[7]. A partir de então, uma série de decretos, portarias e resoluções foram publicadas para ir “passando a boiada” nas concessões privadas das UCs, através do Programa de Desestatização do Governo Federal, vide anexo 2.

Atualmente, sete Parques Nacionais já funcionam sob a gestão da iniciativa privada: Parque Nacional de Itatiaia (RJ e MG); Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO); Parque Nacional de Foz do Iguaçu (PR); Parque Nacional da Tijuca (RJ); Parque Nacional Pau Brasil (BA); Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ) e Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). Onze UCs encontram-se em processo de concessão: Parques Nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral – RS; Flona de Canela – RS; Flona de São Francisco de Paula – RS; Parque Nacional e Floresta Nacional de Brasília – DF; Parque Nacional de São Joaquim – SC; Parque Nacional da Serra dos Órgãos – RJ; Parque Nacional do Iguaçu – PR; Parque Nacional de Jericoacoara – CE e Parque Nacional dos Lençóis – Maranhenses – MA[8].

Ainda não há estudos com avaliações sobre os efeitos destas concessões, mas aquela referente ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM) foi precedida de intensa mobilização e discussão, inclusive no Senado da República – referente ao PL 465/2018, ainda em tramitação[9]. Inúmeros estudos apontam, entretanto, a presença de conflitos nas áreas destinadas às concessões (disponíveis no anexo 1 do presente documento). O exemplo do PNLM e o mapeamento de conflitos preexistentes às concessões oferecem a medida dos riscos que se interpõem na cena do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e do Programa Nacional de Desestatização.

3- O CONTEXTO AUTORITÁRIO E A NEGAÇÃO DOS CONSELHOS

O processo de discussão sobre concessão privada da gestão das UCs para empresas brasileiras e estrangeiras não foi amplamente debatido com a sociedade geral. Mas faz parte de uma “bancada de negócios” conduzida pelo Ministério do Turismo e do Meio Ambiente. Os estudos de viabilidade e de busca de potenciais investidores foram delegados ao BNDES através do “Programa de Concessão de Unidades de Conservação”; e à UNESCO através de um “Acordo Internacional de Cooperação Técnica” junto ao Ministério do Turismo. No caso do BNDES foi realizada parceria com o Instituto Semeia, contemplando nove Estados e quatro blocos. Destes estados seis já assinaram contrato com o BNDES: bloco 1 (RS); bloco 2 (MS, GO e AM); bloco 3 (MG e SC); e bloco 4 (BA, PE e TO).

O “Guia Prático para Parcerias com Parques”, publicado pelo Instituto Semeia, apresenta os fluxos a serem seguidos para a realização da concessão. Porém, no que se refere aos “estudos especializados”, que fazem parte da fase de “pré-avaliação” do processo de concessão, estes se baseiam somente no plano de manejo. E tem como objetivo a avaliação do potencial de visitação e das estruturas a serem instaladas no parque, para auxiliar o estabelecimento dos níveis exigidos de investimentos[10]. É preocupante a ausência de questões relacionadas às regularizações fundiárias e aos conflitos territoriais que envolvem povos e comunidades tradicionais. Os estudos a serem realizados através da UNESCO estão em fase de licitação. Os critérios destes estudos não estão disponíveis ao público em geral. Causa estranheza a falta de transparência das decisões do governo federal relacionadas ao processo de concessão, à participação dos conselhos ambientais e das representações da população diretamente envolvida, que vive nos parques ou em seu entorno. Decisão que não considera ainda o contexto de pandemia do COVID 19 e que traz enorme preocupação frente ao contexto explícito de desmonte das políticas e instituições ambientais da conjuntura atual.

4 – O VIÉS ECONOMICISTA DAS CONCESSÕES E A FRAGILIZAÇÃO DAS POLÍTICAS E INSTITUIÇÕES AMBIENTAIS

A gestão de áreas protegidas públicas por empresas privadas vem se revelando, na sua maioria, por uma perspectiva de viés estritamente mercadológico; em detrimento dos objetivos principais de conservação que justificaram a criação destas áreas. O modelo de concessão aplicado nos parques recém-concedidos, tem como critério principal de julgamento a maior outorga fixa, ou seja, o maior valor pago diretamente ao governo e tem como principal foco a exploração turística para visitação das áreas públicas. De acordo com nota[11] da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA), os contratos de concessão oferecem à iniciativa privada a exploração de diversos negócios, como hospedagem, alimentação, transporte, venda de lembranças e atividades de lazer. Fato que causa preocupação, visto que a finalidade de conservação e proteção das UCs fica em segundo plano. A forma como se dará o apoio a estas atividades turísticas e a gestão das UCs pelas entidades privadas, antes atributos do ICMBio, ainda é desconhecida. Inquietações são justificadas pela falta de transparência no processo de concessão e pela fragilização dos órgãos ambientais neste contexto, vide nota da ASCEMA sobre intervenção militar no ICMBio[12] e reestruturação do MMA[13]. De acordo com “Diagnóstico do Uso Público em Parques Brasileiros: a perspectiva da gestão (2021)”, o ICMBio teve seu orçamento total reduzido de R$791 milhões em 2019, para R$596 milhões em 2020. Não obstante, o quadro de funcionários do órgão também sofreu reduções sob a justificativa de ganhos de eficiência administrativa. Em alguns casos, resultou na destinação de um maior número de UCs sob a responsabilidade de um único gestor. Cenário que vem provocando o desmantelamento das condições financeiras de manter as UCs no Brasil e o enfraquecimento da gestão e ação do ICMBio e seus servidores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A Associação Brasileira de Antropologia conclui que estão em situação de risco os povos e comunidades tradicionais que habitam nos territórios dessas UCs e seu entorno e reitera que cabe ao Estado Brasileiro e as instituições a ele vinculadas, bem como à UNESCO, garantir aos grupos étnicos o direito à informação, consulta e transparência no processo de concessão das UCs, conforme preconiza a convenção 169 da OIT. Espera, ademais, que, em primeiro lugar, sejam realizados os procedimentos de regularização fundiária, incluindo os casos de sobreposição territorial, em absoluta observância aos direitos dos povos e comunidades tradicionais.

A Associação Brasileira de Antropologia ressalta a gravidade relativa ao impacto ambiental advindo da política de desestatização considerando o impacto dos projetos turísticos na fauna e flora das Unidades de Conservação. Ademais, parece contraditório que as Unidades de Conservação, que a rigor teriam como objetivo precípuo a garantia do patrimônio genético e ambiental do país, serem repassadas para grupos com interesses nitidamente econômicos com implicações diretas em ações de desmatamento e devastação. A desapropriação das áreas para implantação das UC sempre esteve fundamentada em um argumento relacionado à desapropriação para fins de interesse público, portanto, as medidas definidas pelo Decreto n. 10.673 de abril de 2021 desvirtuam os reais objetivos de criação das Unidades uma vez que está em jogo uma política de privatização.

Brasília, 08 de junho de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seus Comitês “Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos” e “Quilombos”

Leia aqui a integra da Nota Técnica.

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[1]https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/oito-unidades-de-conservacao-devem-ter-concessoes
[2] Ver  por exemplo https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/noticia/Em-parceria-com-Ministerio-da-Agricultura-BNDES-estruturara-concessoes-florestais-no-Sul-e-no-Norte/
[3] O Instituto Semeia é a  ONG responsável pelos estudos e execução do Programa de Concessões de Parques Naturais, junto à Secretaria do programa de Parcerias de Investimento (PPI) do governo federal e ao BNDES, Disponível em: https://www.semeia.org.br/relatorio2020/
[4] Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.
[5] Cabe ressaltar que esta lei dispõe não somente sobre a concessão de serviços, áreas ou instalações de unidades de conservação federais para a exploração de atividades de visitação, mediante procedimento licitatório, mas também com a dispensa de chamamento público para celebração de parcerias, nos termos da Lei no 13.019, de 31 de julho de 2014 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), com associações representativas das populações tradicionais para a exploração de atividades relacionadas ao uso público.
[6] https://www.brasil247.com/brasil/toma-que-o-filho-e-teu-diz-salles-sobre-privatizar-unidades-de-conservacao
[7] https://uc.socioambiental.org/pt-br/noticia/202756
[8]FONTE:https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/areasprotegidasecoturismo/agenda-de-concessoes/lista-de-concessoes
[9] Ver Nota Técnica Nº 10/2019 – 4ª CCR. Ministério Público Federal. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/NT1020194CCRLimitesdoParqueNacionaldosLenisMaranhenses.pdf
[10] Fonte: https://semeia.org.br/arquivos/2019_Guia_pratico_de_Parcerias_em_Parques.pdf
[11] http://www.ascemanacional.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Concessões-ICMBio-.pdf
[12]http://www.ascemanacional.org.br/wp-content/uploads/2020/02/ASCEMA-Nota-Decreto-Regimento-ICMBio.pdf
[13] http://www.ascemanacional.org.br/wp- content/uploads/2020/08/Nota-estrutura-MMA-2020.pdf


Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos vem se manifestar sobre as propostas ao licenciamento ambiental, por meio do PL 3729/2004, colocado em pauta para votação

O que está sendo proposto nos projetos de lei é a reformulação da gestão dos próprios empreendimentos, já́ que não haverá́ mais tempo, investimento, obrigatoriedade ou regulação para que sejam apresentadas “soluções” aos seus efeitos sociais e ambientais. Os cortes na legislação serão sentidos por aqueles que terão seus direitos reduzidos, conduzindo a um sofrimento social justificado publicamente pelo avanço da Economia brasileira. Os “ganhos” imediatos podem se converter em perdas irreversíveis do ponto de vista ambiental e social. Também podem se converter em perdas econômicas, do ponto de vista dos parceiros comerciais, e suas exigências coordenadas com os padrões de regulação do capitalismo internacional “ambientalizado” – no qual a questão pública do meio ambiente sedimenta novos padrões morais corporativos como a sustentabilidade e a responsabilidade social. À médio e longo prazos, o ônus econômico poderá recair sobre o próprio Estado, na medida em que for chamado a resolver questões de saúde, bem-estar da população, habitação, trabalho, descontaminação do ar, da água e do solo, enfim, resolver os problemas decorrentes dos efeitos dos projetos aprovados sem critérios técnicos e sociais, que deveriam ser pautados minimamente pelos princípios da precaução e da prevenção.
O novo PL representa um passo decisivo para o desmanche ambiental do Estado e a alienação da sociedade no que diz respeito aos processos que incidem sobre os mecanismos de distribuição territorial no país, a segurança e o bem-estar da população.

Síntese do Parecer Técnico-científico: http://www.abant.org.br/files/20210511_609a75f281579.pdf
Parecer Técnico-científico: http://www.abant.org.br/files/20210511_609a73ee10cf9.pdf


Parecer Técnico Projeto de Mineração no Serro – Minas Gerais

Comitês de Trabalho da ABA responsáveis pelo Parecer: Povos tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos; Patrimônio e Museus; e Quilombos.

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Nota de repúdio da ABA ao licenciamento ambiental apressado e indevido de empreendimentos minerários em Minas Gerais

O Comitê de Trabalho sobre Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar sua profunda preocupação pela forma com que o licenciamento ambiental de megaempreendimentos minerários tem sido perigosamente rotinizado na dinâmica de atuação da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) do estado de Minas Gerais. A pauta da 72ª Reunião Ordinária da CMI, a se realizar no dia 26 de março de 2021, às 9h, reproduz um padrão que causa imensa indignação.

Constam em pauta para a referida reunião nada menos que 13 (treze) processos de licenciamento, alguns envolvendo grandes empreendimentos minerários, como o da Vale S.A. – Complexo Mariana – Mina de Alegria/Fábrica Nova em Mariana e Ouro Preto; Minas-Rio, da Anglo American Minério de Ferro Brasil S.A./Extensão da Mina do Sapo, em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas; e o da AngloGold Ashanti – Córrego do Sítio Mineração S.A./Mina Cuiabá, em Sabará e Caeté.

Esses megaempreendimentos minerários têm deflagrado conflitos ambientais de grandes proporções no Estado de Minas Gerais, em virtude dos gravíssimos danos impostos ao meio ambiente, aos territórios e às comunidades situadas no entorno dessas atividades. Além disso, a desatenção para com os riscos inerentes à natureza, à abrangência e ao ritmo da extração minerária – tal como se configura nos últimos anos neste estado – tem constituído o cenário e o motor de alguns dos maiores desastres ambientais jamais verificados no País.

O Licenciamento Ambiental deve constituir a oportunidade para a avaliação séria, cuidadosa e exaustiva de diagnósticos que considerem substantivamente o conjunto dos impactos, dos riscos e das transformações a serem provocadas pela implantação da atividade minerária em cada uma das localidades e territórios, atravessados que são, estes, por diferentes modos de vida, diferentes formas de apropriação da terra e da natureza, reconhecidamente responsáveis pela manutenção do patrimônio cultural e biológico do Estado de Minas Gerais. Somente esse exercício, realizado responsavelmente, no seu devido tempo, e de modo a agregar participações diversas da sociedade civil, pode fundamentar um efetivo juízo de viabilidade ambiental.

Nesse sentido, enxergamos na pauta excessiva da 72ª Reunião Ordinária da CMI, e em outros dispositivos desenhados para “suprimir” o tempo do processo – como a intercalação entre reuniões ordinárias e extraordinárias – a própria negação das condições mínimas capazes de sustentar a realização dos objetivos precípuos do licenciamento, levando à sua real transformação em mero procedimento cartorial. Essa compressão do tempo do licenciamento se soma à grave apreciação de licenças concomitantes, resultando em prejuízos ao processo democrático, que depende da revisão pública dos procedimentos que conduzem à tomada de decisão. Tais condições inviabilizam o direito a uma participação efetiva, devidamente informada, da sociedade civil; constrangem e esvaziam o debate público – que deveria exprimir substantivamente as complexas questões envolvidas na implementação e no desenvolvimento da atividade minerária; e impõem, a todos, a majoração dos riscos.

Apelamos para o senso de responsabilidade das autoridades do estado de Minas Gerais no sentido de reverterem esse modus operandi que tantas consequências nefastas tem causado à população de Minas e do Brasil. Que o processo de licenciamento ambiental siga um rito que o torne técnica e moralmente apto dentro do estado democrático de direito.

Belo Horizonte, 25 de março de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos

Leia aqui a nota em PDF.


Relatório de atividades do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos / Gestão 2019-2020

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Nota pública sobre os direitos de família caiçara da comunidade tradicional do Rio Verde, localizada no Mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins (SP), sob ameaça de iminente expulsão e destruição de habitação

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) manifesta sua apreensão sobre a situação do casal Edmilson de Lima Prado e Karina Ferro Otsuka e de seu filho de seis meses de idade, Martim Ferro do Prado, cuja habitação em local tradicionalmente ocupado por eles e seis gerações de seus ancestrais está sob ameaça iminente de destruição por ato da Fundação Florestal e da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo com base no expediente de “tutela possessória administrativa”. O ato expedido pelos órgãos ambientais foi suspenso após decisão liminar obtida em processo judicial, decisão essa questionada pelo Estado de São Paulo e pela Fundação Florestal em recurso de agravo de instrumento. A data de julgamento no Tribunal de Justiça está prevista para 16 de julho de 2020. O caso é particular, mas é emblemático de uma situação mais ampla que diz respeito aos direitos de comunidades tradicionais que habitam territórios tradicionalmente ocupados e que foram sobrepostos por unidades de conservação de uso restrito sem consulta prévia a comunidades tradicionais e sem resguardar seus direitos: no caso, a comunidade do Rio Verde é sobreposta pela Estação Ecológica Jureia-Itatins.

Eis um sucinto relato dos antecedentes do caso.

O Juízo da Comarca de Iguape (SP) garantiu liminarmente o direito de permanência da família de Edmilson em sua habitação e interditou a demolição prevista pela Fundação Florestal de sua residência, ação violenta que daria continuidade à destruição de duas outras casas de caiçaras, primos de Edmilson. A destruição dessas casas caiçaras, sem ordem judicial, baseou-se no controvertido procedimento de “autotutela possessória administrativa” – ato que não permite defesa dos atingidos nem interveniência do judiciário. Contra esse ato de violência, a liminar do Juízo de Iguape, apoiada em extenso laudo antropológico, afirmou que, mesmo que se tratasse de “invasores” – alegação contrária aos fatos –, competiria cautela à Fundação Florestal, já que havia fortes riscos de promoção de danos sociais irreparáveis. E de fato, em audiência promovida pelo Juízo de Iguape meses depois, a própria Fundação Florestal reconheceu a tradicionalidade da família caiçara de Edmilson, Karina e Martim, reconhecendo assim que não se trata de “invasores” e sim membros de comunidades tradicionais.

Ora, segundo princípios da Constituição de 1988 e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), famílias caiçaras, enquanto parte de comunidades tradicionais, têm direitos de viver em territórios tradicionalmente ocupados necessários à sua identidade cultural e seus modos de vida, e não poderiam ser privadas desses direitos sem seu assentimento por meio de consulta prévia. Disposições ambientais derivadas do SNUC em 2000 não cancelam esse princípio, conforme doutrina afirmada pela Dra. Deborah Duprat (ex-Procuradora da República), que aplica o princípio ao caso em pauta. Essa posição é também defendida por autoridades antropológicas como Alfredo Wagner Berno de Almeida e outros especialistas.

No entanto, desde a  criação da Estação Ecológica Jureia-Itatins, no ano de 1986, sem consulta prévia às comunidades tradicionais locais, pelo menos 13 comunidades tradicionais foram inteiramente removidas – segundo dados oficiais – e as que permanecem continuam sujeitas à pressão continuada de uma política que pode ser chamada de expulsão por cansaço, mediante restrições sobre as práticas de reprodução cultural, social e econômica das comunidades.

Não há hoje contestação de fato ou de direito sobre o caráter comunitário e tradicional da família extensa dos Prado na Jureia da qual descende diretamente Edmilson.  De fato, a família Prado tem sua existência, precisamente no local hoje em questão, atestada em registros de posse depositados na paróquia da cidade de Iguape (SP) em decorrência da célebre Lei de Terras de 1850. Nesses registros, consta com efeito a concessão pelo Império de direitos territoriais à hexavó de Edmilson (isto é, há seis gerações), além de documentação oficial e oral até os dias atuais sobre a presença perene da família no território do Rio Verde. Além disso, mesmo sem essas evidências, os direitos da família à permanência em seus territórios tradicionais são assegurados inquestionavelmente pela própria legislação ambiental que rege o atual Mosaico de Unidades de Conservação da Jureia-Itatins, já que essa família cumpre todos os requisitos para o reconhecimento da tradicionalidade estabelecidos pela mesma lei.[1]

Restaria perguntar se o reconhecimento dos direitos da comunidade é recomendável sob o ponto de vista ambiental. Cabe lembrar em primeiro lugar que tradicionalidade, segundo o consenso antropológico, não significa imutabilidade cultural, mas sim a continuidade de identidades, hábitos e territorialidades ao lado de permanentes inovações sem as quais tais comunidades não poderiam existir em ambientes sociais e naturais em mudança. Em particular, no caso da família de Edmilson e Karina, e do grupo de parentela constituído pela família extensa dos Prado, a importância da conservação ambiental é enfatizada no Plano de Uso Tradicional Caiçara (PUT) no qual se baseou a construção de residências em antigas taperas caiçaras. Nesse Plano, que embasa as regras de vida da família, regras tradicionais de uso do território são apoiadas, com vista a objetivos de sustentabilidade, em dois anos de intensa pesquisa de cientistas da USP, UNICAMP, UFABC e outras instituições públicas juntamente com equipes de jovens caiçaras com treinamento em nível de pós-graduação em ecologia histórica e interpretação de imagens fotográficas e de sensoriamento remoto. O Plano de Uso Tradicional expressa o compromisso dos caiçaras organizados na Associação dos Jovens da Jureia e na União dos Moradores da Jureia com a conservação ambiental, em continuidade com sua presença secular na região que em nada afetou a riqueza ambiental desse precioso território.[2]

Esperamos portanto, com base na ampla documentação histórica, ecológica e cultural em apoio aos direitos territoriais dos caiçaras da Jureia e em particular da família de Edmilson e Karina, com respaldo da Convenção 169 da OIT, da Constituição de 1988 e do Decreto nº 6040/2007, afirmando direitos de povos e comunidades tradicionais, e em consonância com o conhecimento antropológico, que a justiça reconheça (1) a tradicionalidade da família caiçara de Edmilson, e (2) os direitos daí decorrentes para sua existência material e cultural associada ao território tradicionalmente ocupado secularmente pela comunidade à qual pertence. Lembrando ainda que (3) como alternativa para medidas autoritárias de expulsão e destruição de residências, há o caminho aberto para arranjos legais que reconheçam a presença de caiçaras na Estação Ecológica Jureia-Itatins, apoiados em acordos internacionais, legislação nacional constitucional e na lei específica do Mosaico que, através de seus artigos 6o e 7o, permitem a residência de moradores tradicionais na área. Essa via de mitigação dos conflitos está na possibilidade de obtenção de regras consensuais e acordadas entre as partes, as quais estão em curso no Juízo de Iguape (SP) e que, pelos motivos levantados, deveriam prosseguir.

Finalmente, lembramos que decisão jurídica sobre esse caso tem grandes implicações para a efetivação do reconhecimento de direitos de comunidades tradicionais em semelhante posição de risco.

Brasília/DF, 10 de julho de 2020.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA, seu Comitê Povos Tradicionais Meio Ambiente e Grandes Projetos e seu Comitê Patrimônio e Museus

Leia aqui a nota em PDF.

[1] Lei Estadual nº 14.982/2013. A Estação Ecológica Jureia-Itatins, criada em 1986 sobre toda região da Jureia, tornou-se um Mosaico de Unidades de Conservação posteriormente, mantendo-se, ao lado de outras unidades como Parques Estaduais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), como área de proteção integral. Observe-se que as RDS’s contemplaram apenas duas comunidades tradicionais na Jureia das 22 identificadas por órgãos do Estado em princípios da década de 1980.

[2] O PUT foi realizado através das associações representativas dos caiçaras, União dos Moradores da Jureia (UMJ) e Associação dos Jovens da Jureia (AJJ), as quais partiram de conhecimentos tradicionais caiçaras e de parcerias acadêmicas com biólogos, ecólogos, especialistas em geoprocessamento e antropólogos das universidades públicas de São Paulo (UNICAMP, USP e UFABC) para elaborar um instrumento que visa tanto a conservação ambiental como a efetivação dos direitos das famílias tradicionais habitantes do Rio Verde. O documento é acessado mediante consulta direta às associações mencionadas.


NOTA DE REPÚDIO DA ABA ÀS DECLARAÇÕES DO MINISTRO RICARDO SALLES

A Associação Brasileira de Antropologia repudia de forma veemente as declarações do ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em reunião ministerial realizada no dia 22 de abril propôs o desmonte da regulação ambiental, valendo-se da comoção nacional em torno das mortes provocadas pela pandemia de COVID-19. O ministro sugere às autoridades presentes na reunião que aproveitem o momento para, conforme suas próprias palavras: “ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento, ir simplificando normas”.

As declarações do ministro são imorais. Desnudam falta de ética e completo descompromisso com a agenda ambiental do país, evidenciando postura incompatível com o cargo de ministro de Estado do Meio Ambiente do Brasil. Suas falas incentivam a liberação de energias criminosas, potencializando práticas que já estão a dilapidar o patrimônio ambiental brasileiro e a ameaçar a existência dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais.

Pesquisas acadêmicas realizadas no âmbito da ABA têm observado um processo de desregulação ambiental nos últimos anos, que atenta contra os preceitos constitucionais e a Política Nacional de Meio Ambiente. Sob o comando de Salles, o viés autoritário e predatório assumiu forma de política de governo, algo jamais visto na história do país.  O ministro tem promovido o desmanche dos órgãos ambientais, e aposta na aceleração desse processo por meio de “reformas infralegais” – portarias, instruções normativas e atos administrativos –, sem debate público e independente de aprovação no Congresso. Trata-se de um grave atentado contra a democracia.

Ricardo Salles já foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa por atos praticados enquanto secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Sua permanência no cargo de ministro do Meio Ambiente é uma afronta à sociedade brasileira, não apenas pelo descaso demonstrado em relação à crise sanitária do país, mas pela postura anti-ambiental e anti-republicana expressa em suas manifestações. Pedimos seu afastamento imediato.

Brasília, 25 de maio de 2020.

Associação Brasileira de Antropologia e seu Comitê Povos Tradicionais, Grandes Projetos e Meio Ambiente

Leia aqui a nota em PDF.


Apoio à denúncia da IUAES e da WCAA ao Tribunal Penal Internacional contra o governo brasileiro por ecocídio na Amazônia e o genocídio cultural decorrente

O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia – ABA vem apoiar a denúncia de ecocídio feita pela International Union of Anthropological and Ethnological Sciences (IUAES) e pelo World Council of Anthropological Associations (WCAA) ao Tribunal Penal Internacional, contra o governo brasileiro, a respeito das queimadas na Amazônia. O ecocídio implica danos extensos, destruição ou perda de ecossistema(s) de um determinado território, seja pela agência humana ou por outras causas, que comprometem os modos de vida de seus habitantes.1 Trata-se, portanto, de grave crime ambiental e de crime contra a humanidade, através da destruição da floresta, da biodiversidade e dos territórios de povos tradicionais.

Leia aqui a nota na íntegra


NOTA DO COMITÊ POVOS TRADICIONAIS, MEIO AMBIENTE E GRANDES PROJETOS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (ABA)
Contra o desmanche ambiental e a violência decorrente

O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia vem a público manifestar repúdio às ações e declarações de representantes do governo brasileiro que conduzem ao assombroso desmanche do sistema de regulação ambiental do país.

Instrumentos de proteção dos direitos dos povos tradicionais, do patrimônio ambiental e da diversidade cultural brasileira encontram-se sob acintoso e recrudescente ataque. A designada flexibilização ambiental configura um verdadeiro desmonte das instituições, normas e dispositivos de governança que representam conquistas resultantes de décadas de organização e mobilização da sociedade brasileira. As ofensivas contra os princípios constitucionais nos alça a uma condição de “crise do Estado Democrático de Direito”, vis-à-vis à defesa do meio ambiente como um direito coletivo dos cidadãos brasileiros.

As mudanças, feitas sem alarde, são acompanhadas por um discurso ideológico que criminaliza as práticas de proteção ambiental e as formas de ocupação tradicional de territórios, sob a alegação de que empatam o aproveitamento das riquezas nacionais. Tal ideologia condena o Brasil à condição de mero produtor de commodities agrícolas e minerárias, verdadeira posição subordinada no jogo político-econômico internacional.

A rendição a esse modelo econômico neocolonial evidencia uma estratégia com viés obscurantista de constantes ataques e censuras às instituições produtoras de conhecimento, incluindo as universidades e os institutos de pesquisa como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.

Soma-se a isso, o recrudescimento do controle e da restrição aos espaços de participação social que, mediante a extinção ou redução e esvaziamento de conselhos e órgãos colegiados da administração pública federal, coloca em risco preceitos constitucionais. O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, por exemplo, teve sua composição drasticamente reduzida de 96 para 23 membros, o que acarretará no esvaziamento de suas funções na avaliação da implementação e execução da política e das normas ambientais do País.

No mesmo diapasão, governantes se pronunciam acerca da “eliminação do ativismo” e designam autarquias ambientais, tais como IBAMA e ICMbio como “fábricas de multa” entre outras espantosas acusações que fomentam um ambiente de desrespeito às leis ambientais vigentes, implicando na redução da fiscalização ambiental, na intensificação do desmatamento, sobretudo na Amazônia brasileira, no aumento de invasões às terras de povos tradicionais e no acirramento de conflitos armados.

Dentre as graves mudanças, destacam-se os esforços para a construção de uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental através da tramitação de Projetos de Lei do Senado, a pretexto de “desburocratizar o processo de concessão de licenças”. Com efeito, o que se tem é um processo de fragilização do marco regulatório, apontando a substituição dos instrumentos de controle do Estado por práticas corporativas de autolicenciamento, automonitoramento e gestão ambiental voluntárias.

O desmonte se radicaliza através da inobservância ou desrespeito ao marco regulatório, de que são exemplos processos de licenciamento em curso, cujas obras estão em andamento mesmo sem a promoção de audiência pública e consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais afetadas, preceitos da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Acompanhamos estarrecidos as denúncias diárias de violência armada contra indígenas, como o recente caso envolvendo a morte violenta de Emyra Waiãpi, um líder da etnia waiãpi, e as invasões de garimpeiros, em meio a declarações sobre a pretensão do governo de legalizar mineração e garimpos, bem como barragens hidrelétricas e sistemas de transmissão em terras indígenas.

Esforços de revisão regulatória são expressivos no tocante às atividades extrativas, visando fomentar a expansão das atividades de mineração no país. O quadro é também alarmante no que diz respeito ao Plano Nacional de Segurança de Barragens. Mesmo após os rompimentos das barragens de Fundão em Mariana e da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, as iniciativas para o controle e a fiscalização dessas estruturas mostram-se bastante limitadas e omitem procedimentos relativos às comunidades locais.

São particularmente preocupantes as declarações sobre a abertura da Amazônia, das Unidades de Conservação e das Terras Indígenas para exploração econômica, sobretudo a mineração. E acendem sinal de alerta sobre violações explícitas à Constituição. Não por acaso, os dados recentes que revelam o aumento do desmatamento na Amazônia divulgados pelo INPE, alarmantes, são acintosamente questionados.

O desmatamento desenfreado poderá ser enormemente agravado pelas recentes propostas de mudanças no Código Florestal, em tramitação no Senado, no que concerne à revisão da situação das reservas legais em propriedades rurais. Simultaneamente, o Ministério da Agricultura liberou número recorde de agrotóxicos em curto espaço de tempo, muitos dos quais proibidos em vários países do mundo, submetendo a população brasileira a riscos cada vez mais elevados quanto à saúde.

Tudo isso mostra uma violência que se apresenta sem disfarces e ousa formular uma política explícita de destruição das florestas e dos povos que as habitam. Os discursos que versam sobre a liberação do porte de armas no Brasil também têm sido evocados em nome da defesa da propriedade privada, desconsiderando mais uma vez os princípios constitucionais que asseguram a defesa da vida acima de qualquer outro direito.

Diante desse quadro, o Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos externa seu repúdio às iniciativas mencionadas e manifesta sua profunda preocupação quanto ao futuro dos povos tradicionais, das vindouras gerações de brasileiras e brasileiros e à integridade dos preceitos constitucionais, cuja flagrante deterioração revela a profundidade da crise atual de nosso Estado Democrático de Direito.

Brasília, 01 de agosto de 2019.

Associação Brasileira de Antropologia e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos

Leia aqui o artigo que deu origem a nota.
Leia aqui a nota em português.
Leia aqui a nota em inglês.


Nota da ABA – Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos; e Comissão de Assuntos Indígenas – em apoio e solidariedade ao povo Waimiri Atroari

A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA vem a público manifestar seu apoio e solidariedade ao povo Waimiri Atroari, reiterando a Nota Pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, datada de 04 de junho de 2019.

O povo Waimiri Atroari (que se auto-denomina KINJÁ), desde a década de 1970 tem sofrido intervenções violentas que resultaram numa perda inicial de 90% de sua população. Hoje, tendo em grande parte recuperado o seu contingente demográfico, eles reclamam que seja observada a Convenção da Organização Internacional do Trabalho nº 169, promulgada no Brasil em 2004. Essa lei que, em seu artigo 6º, obriga o Estado Brasileiro a realizar consulta prévia, livre e informada, de acordo com o protocolo próprio de cada etnia, está sendo desconsiderada em favor do Projeto de Interligação Elétrica Manaus-Boa Vista, o que acarreta uma grave violação de direitos humanos.

Depois da construção da BR 174, que motivou a depopulação mencionada, da inundação de parte do território pela Hidrelétrica de Balbina, e da intrusão do seu território pela empresa Paranapanema, os Kinjá aparentemente não se opõem à implantação do chamado Linhão Tucuruí. “Este prevê a implantação de 250 antenas de transmissão elétrica ao longo de extensa faixa dentro da reserva indígena, com evidentes impactos humanos, ambientais, socioeconômicos, culturais”.

Reiterando a Comissão Arns, lembramos que a violação do direito do povo KINJÁ significa uma ameaça a todos os povos indígenas do Brasil, pedimos a aplicação imediata da Convenção 169 da OIT e “reivindicamos ainda que os nossos tribunais julguem as ações já interpostas pelos indígenas. E esperamos que a Justiça se faça de forma não só compensatória, mas sobretudo reparadora, para este povo que tem, de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal, “direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não continue sendo objeto de graves violações aos seus direitos”. 

Brasília, 10 de junho de 2019.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA; seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos; e sua Comissão de Assuntos Indígenas

Leia aqui a nota em PDF.


Relatório de atividades do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos / Gestão 2017-2018

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A ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos subscreve documento que denuncia e confronta a campanha de estigmatização e criminalização dos Povos Indígenas na Argentina

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Nota da ABA, e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, sobre o rompimento das Barragens de rejeito em Mariana, Minas Gerais

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar seu pesar e sua solidariedade a todas as vítimas, humanas e não humanas, do rompimento das barragens de rejeitos Fundão e Santarém em Mariana, Minas Gerais. Como associação científica cujas pesquisas se referem, em muitas situações, a comunidades atingidas por grandes empreendimentos minerários, vimos nos somar às vozes da sociedade brasileira que exigem a responsabilização das empresas envolvidas, Vale-BHP Billinton-Samarco, bem como cobrar a celeridade nas ações voltadas para o restabelecimento das vidas dos ecossistemas e comunidades atingidas. Lembramos, neste último caso, que não se trata apenas de indivíduos que perderam casas e propriedades, mas de coletividades que, ao longo da bacia do Rio Doce, assistem ao desaparecimento das condições que sustentavam suas práticas, usos e formas de viver. Enfatizamos a trágica situação das comunidades Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues, sendo que essa última, soterrada, teve a especificidade do seu ser, fazer viver, bruscamente interrompida com esse incidente.

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ABA assina Nota de Repúdio ao substitutivo do Deputado Mauro Pereira ao Projeto de Lei n.º 3.729/2004 – Licenciamento Ambiental

A Nota qualifica como um grave retrocesso ambiental projeto ruralista que pode ser votado.
Leia aqui a íntegra da Nota.


Relatório de atividades do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos / Gestão 2015-2016

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Manifestação contra os ataques às políticas destinadas às populações tradicionais

Associação Brasileira de Antropologia e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos vem manifestar sua preocupação e total discordância diante das medidas que vem sendo tomadas, nas últimas semanas, pelo governo interino.
Leia a íntegra da nota aqui.


ABA assina Manifesto pela ética, qualidade técnica e participação social no licenciamento ambiental brasileiro

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ABA participa de manifesto em apoio às vítimas da tragédia provocada pela Samarco

A tragédia ocorrida em Mariana (MG) – provocada pelo rompimento da barragem de Fundão da Mineradora Samarco – completa três meses. Entidades acadêmicas, associações profissionais e movimentos sociais de diversas áreas de atuação vêm a público chamar a atenção da sociedade brasileira para a importância de se acompanhar, com muita cautela e cuidado, todo e qualquer projeto de reconstrução para a “nova Bento Rodrigues”.
Em um manifesto assinado por 21 instituições, os signatários do documento ressaltam que o processo de construção dessa nova localidade deve considerar, no mínimo, a equivalência das condições de vida existentes anteriormente à tragédia e que todas as decisões devem levar em consideração o desejo e a opinião da população afetada.
No documento, os signatários defendem ainda que a definição da localização do novo assentamento, bem como a elaboração dos projetos urbanísticos e arquitetônicos, deve ser fruto de uma construção coletiva, em que a participação dos moradores seja totalmente assegurada.
O manifesto também destaca que é preciso dedicar atenção especial às populações ribeirinhas e demais moradores de áreas atingidas ao longo dos cursos de água impactados. Além disso, reforça que as obras devem ser custeadas pelas empresas responsáveis pela tragédia, mas que a gestão de todas as medidas deve ser feita pelo Estado. Segundo o documento, transparência e controle social são valores imprescindíveis nesse processo.
Confira aqui o manifesto na íntegra.


Nota da ABA, e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, sobre o rompimento das Barragens de rejeito em Mariana, Minas Gerais

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar seu pesar e sua solidariedade a todas as vítimas, humanas e não humanas, do rompimento das barragens de rejeitos Fundão e Santarém em Mariana, Minas Gerais. Como associação científica cujas pesquisas se referem, em muitas situações, a comunidades atingidas por grandes empreendimentos minerários, vimos nos somar às vozes da sociedade brasileira que exigem a responsabilização das empresas envolvidas, Vale-BHP Billinton-Samarco, bem como cobrar a celeridade nas ações voltadas para o restabelecimento das vidas dos ecossistemas e comunidades atingidas. Lembramos, neste último caso, que não se trata apenas de indivíduos que perderam casas e propriedades, mas de coletividades que, ao longo da bacia do Rio Doce, assistem ao desaparecimento das condições que sustentavam suas práticas, usos e formas de viver. Enfatizamos a trágica situação das comunidades Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues, sendo que essa última, soterrada, teve a especificidade do seu ser, fazer viver, bruscamente interrompida com esse incidente.

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ABA assina a Manifestação das Entidades Socioambientais, Sindicais e Acadêmicas do Projeto de Lei nº 2.946/2015

As entidades socioambientais, sindicais e acadêmicas, reunidas para analisar o Projeto de Lei nº 2.946/2015, de autoria do Governador Fernando Pimentel, encaminhado à Assembleia Legislativa em regime de urgência e publicado no Diário do Legislativo no dia 8/10/2015, decidiram se manifestar sobre o seu teor e a sua tramitação na Casa do Povo e Parlamento da Democracia.
Leia aqui a nota e seus signatários.


O Comitê Migrações e Deslocamentos da ABA manifesta-se sobre a última versão do anteprojeto de lei elaborado pela Comissão de Especialistas e que será enviado pelo Ministro da Justiça ao Congresso Nacional

Veja aqui a lei e aqui a manifestação crítica do Comitê.


Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos apoia a nota conjunta da Fiocruz, Abrasco e INCA

Leia aqui


Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos apoia a nota conjunta da Fiocruz, Abrasco e INCA

Uma verdade cientificamente comprovada: os agrotóxicos fazem mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente.

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Relatório de atividades do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos / 2011-2012

Leia mais – Dez/12


Nota do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da ABA

Leia aqui a nota sobre a criminalização do Movimento Xingu Vivo para Sempre.


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