No dia 5 de junho último, o servidor público e indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips deveriam chegar de barco a Atalaia do Norte, no Amazonas. Eles nunca chegariam. Por onze dias o Brasil e o mundo assistiram a filmagens dos rios e das florestas da região do Vale do Javari, suas cores, seus povos e o incansável trabalho dos indígenas na busca por seu amigo Bruno e companheiro Dom, enquanto as autoridades afirmavam se tratar ali de “uma área completamente selvagem”, “hostil”, “de difícil acesso”.
Durante este tempo, de espera e angústia, a mídia nacional e internacional também deu espaço para conhecermos um pouco mais do trabalho de Bruno e de sua equipe junto aos povos indígenas da região. Soubemos que Dom havia se empenhado em conhecer e divulgar a vida ali, em sua pujança, e as ameaças à sua continuidade. Soubemos, então, mais sobre uma região que, longe de ser selvagem, é, sim, ameaçada, desprotegida e intensamente submetida à barbárie. Vimos o quanto os povos indígenas da região se comprometeram com as buscas. Observamos também a relação de companheirismo e de colaboração que os dois mantinham com esses povos em defesa de suas terras e de suas vidas.
Chocante foi perceber, por meio das notícias divulgadas, como vem se agravando a situação desses povos, por efeito do desmonte da instituição que mais deveria protegê-los, como a FUNAI. O aparente descaso e complacência das autoridades com a grave situação desses povos ficaram mais visíveis, em escala mundial. Não é somente no Vale do Javari, infelizmente. As queimadas, as expulsões, as mortes se sucedem sem que haja responsabilização de seus executores. Em contrapartida, insinuações e culpabilização das vítimas não faltaram. Ainda nesta semana, nos impressionaram os questionamentos a respeito da legalidade da presença dos dois na área, em desrespeito flagrante aos familiares e amigos, profundamente angustiados com o desaparecimento dos dois.
Na quarta-feira (15), infelizmente, a pouca esperança de encontrá-los com vida se esvaiu. Confirmaram-se mais dois assassinatos de defensores da Amazônia e de seus povos originários, com a perversa ocultação de seus corpos.
De fato, o Brasil e o mundo tomaram conhecimento dos descalabros, das ilegalidades e das atrocidades ali praticados contra o ambiente e seus habitantes. O Brasil e o mundo aprenderam também, ao vivo, como o descaso opera quando se trata dos povos originários e daqueles que genuinamente os defendem. Não é uma coincidência que tenham sido os indígenas que, apesar da dor e do risco, encontraram as principais pistas que levariam aos pertences de ambos, ação fundamental para elucidação do caso.
A confirmação de uma tragédia anunciada e denunciada pelos indígenas e por Bruno nos leva a exigir, cada vez mais, que as autoridades conduzam até o final as investigações, sobre todos os que executaram o crime, e mais aqueles que podem tê-lo eventualmente encomendado, os chamados “mandantes”.
Quem mandou matar Bruno e Dom? Quem mandou matá-los? Uma pergunta que não vai calar. E como buscar garantias para que os povos indígenas continuem vivendo na região? O que serão feitas das denúncias que Bruno e a UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) já haviam levado às autoridades?
Juntamo-nos às entidades, associações e pessoas que defendem os povos indígenas para exigir justiça a Bruno e a Dom, bem como uma reversão efetiva da política atual de devastação da Amazônia. A perda tão dolorosa e profunda de suas companheiras, familiares e amigos nos leva a nos curvarmos em respeito e solidariedade diante desse sofrimento. Todo o nosso apoio, e um agradecimento especial pela possibilidade de sermos (inclusive globalmente) beneficiários do profissionalismo, da dedicação e do bem que Bruno e Dom praticaram e promoveram em vida. Empenhamos nosso desejo e força de que seguiremos juntos pelos ideais que ambos professavam, de justiça, equidade e paz em nosso país.
Justiça para Bruno e Dom
Proteção aos povos indígenas
Fim da destruição da Amazônia
Como disse sua companheira Beatriz de Almeida Matos, nossa colega na Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) da ABA:
“Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior.”
Brasília-DF, 16 de junho de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA