Ao reorganizar o funcionamento administrativo do Executivo, o novo governo federal tomou decisões políticas que afetam direitos da parcela historicamente mais atacada e vulnerável da história brasileira: os povos indígenas. A publicação Medida Provisória 870/2019 em 1º de janeiro transferiu a Fundação Nacional do Índio – Funai, que até então encontrava-se no Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Concomitante, retirou da Funai suas principais atribuições, transferindo-as para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Dessa forma e em uma única canetada, décadas de conhecimentos, debates e procedimentos de identificação, delimitação, fiscalização e proteção de áreas demarcadas, bem como estudos sobre antigas nações e povos que ainda não estabeleceram contato com a sociedade nacional foram sumariamente desqualificados e desautorizados.
Tal medida consternou parte significativa da sociedade brasileira, como juristas e partidos políticos, que impetraram no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6062/2019) sobre a transferência de competência das questões indígenas para a alçada do MAPA. A matéria foi distribuída para o ministro Roberto Barrosso, do Supremo Tribunal Federal, e aguarda posicionamento do relator e da corte.
Por conta do compromisso com o conhecimento produzido pela universidade brasileira e pela história de aprendizagem, respeito e troca com esses povos, as sociedades científicas não podem se calar.
O grupo temático Saúde indígena da Abrasco foi criado há 19 anos e marcou o início de participação efetiva e sistemática da comunidade da saúde coletiva nas causas indígenas, atuando em conjunto com outras entidades e instituições, tanto na defesa ou em apoio às causas quanto na participação, organização e planejamento de políticas setoriais, como na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena do Conselho Nacional de Saúde (CNS). “É com muita satisfação que lançamos em parceria com a Associação Brasileira de Antropologia esse Especial Abrasco – ABA, em defesa da população indígena e contra todos os ataques que vem despontando” declara Gulnar Azevedo e Silva, presidenta da Associação.
A Associação Brasileira de Antropologia também comunga a perplexidade com tais decisões, convidando à reflexão e posicionamento de toda a sociedade sobre o tema. “Desde a sua fundação, na década de 1950, a ABA tem atuado incansavelmente na defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas, manifestando-se por meio de moções e notas públicas. No atual momento, chamam nossa atenção e preocupação o teor dos recentes pronunciamentos presidenciais sobre questões que afetam os povos indígenas e as mudanças promovidas nas atribuições da Funai, bem como sua nova inserção institucional” ressalta a antropóloga Maria Filomena Gregori, atual presidente da ABA.
Este Especial traz entrevistas com Maria Luiza Garnelo Pereira, médica, antropóloga e pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane – ILMD/Fiocruz Amazônia e integrante do Grupo Temático Saúde Indígena (GTSI/Abrasco); Henyo Trindade Barretto Filho, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (DAN/ICS/UnB) e coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas (CAI/ABA); Maria Manuela Carneiro da Cunha, professora titular aposentada da Universidade de São Paulo, professora emérita da Universidade de Chicago e membro da Academia Brasileira de Ciências; Leosmar Antônio, índio terena que acaba de ser aprovado para o curso de doutorado “Epidemiologia, Equidade e Saúde Pública”, formação recém-lançada pela unidade técnica de Mato Grosso do Sul da Fundação Oswaldo Cruz em parceria da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz); e ainda a antropóloga Inara do Nascimento Tavares, do povo Sateré Mawé, coordenadora adjunta da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco.
O Especial Abrasco – ABA sobre a questão indígena no Brasil traz ilustrações do carioca Matheus Ribs. O ilustrador se descreve como um cientista político em formação, um ilustrador da luta política. Ribs constantemente questiona a política, religião, amor, racismo, entre outros polêmicos temas e gentilmente cedeu estas ilustrações sobre a questão indígena.