O Comitê Patrimônios e Museus da Associação Brasileira de Antropologia externa ao público sua extrema preocupação com a continuidade das ações institucionais do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) após a exoneração sumária e injustificada de sua diretora, a museóloga e servidora pública Cláudia Márcia Ferreira, no dia 30 de setembro de 2021. A atuação de Cláudia Ferreira na direção do Centro é reconhecida em âmbito nacional e internacional por atributos como seriedade, competência e engajamento profissional, tão necessários à condução de políticas públicas no campo das culturas populares e do patrimônio cultural imaterial, que refletem a diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira, prezando pela sua valorização, conforme manda a Constituição Federal de 1988.
A história do CNFCP tem íntima relação com a da antropologia brasileira. Remonta ao chamado Movimento Folclórico Brasileiro, que ganhou força no final dos anos 1940 e foi oficialmente institucionalizado em 1958, por meio da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. A instituição atua em nível nacional, realizando pesquisa, documentação, difusão e apoio às culturas populares. Entre suas principais ações estão: o Concurso de Monografias Silvio Romero, instituído em 1959, com objetivo de estimular a produção do conhecimento científico sobre o campo das culturas populares; o Programa Sala do Artista Popular, criado em 1983 para promover a documentação e o fomento das artes populares brasileiras; o Curso Livre de Folclore e Cultura Popular, criado em 2001 para atender à demanda crescente do público interessado nesse campo de estudos; e o Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural, que, desde sua criação, em 2007, já apoiou mais de 4 mil artesãs e artesãos de 158 comunidades situadas em periferias urbanas, zonas rurais e ribeirinhas de 75 municípios do Brasil.
Além dos programas citados, o CNFCP mantém acervos bibliográfico, arquivístico e museológico que constituem um testemunho único sobre a história das culturas populares ao longo do século XX e XXI, bem como das políticas públicas desenvolvidas nessa área. Da Defesa do Folclore Brasileiro, passando pela Convenção de Salvaguarda das Culturas Tradicionais da Unesco (1989), até o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), instituído em 2000, o CNFCP tem desempenhado um papel fundamental e pioneiro na construção e implementação de políticas de afirmação de direitos culturais de diversos grupos formadores da sociedade brasileira, com respeito a suas identidades e trajetórias específicas. No que tange especificamente à política de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, um campo de interações interdisciplinares, em que a antropologia tem ocupado papel importante, o CNFCP, desde 2003 vinculado ao Departamento do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é uma referência internacional, merecedora de reconhecimento por parte da Unesco em razão de sua excelência.
Diante da exoneração de sua experiente e comprometida diretora, e da falta de informações sobre os próximos rumos do CNFCP, chamamos atenção para o risco iminente de desmonte de um exitoso trabalho que vem sendo desenvolvido há décadas pela instituição. Apontamos, também, o risco de descontinuidade dos planos de salvaguarda e do apoio necessário aos detentores dos bens registrados como Patrimônio Cultural do Brasil. Lembramos que o Patrimônio Cultural Imaterial compreende uma área sensível, que necessita de profissionais com expertise e formação apropriada, tendo em vista o necessário relacionamento com populações indígenas, quilombolas e segmentos das camadas populares. A ABA alerta para o risco de perda de um trabalho de longa duração, que beneficia diferentes e importantes grupos sociais, cujos conhecimentos tradicionais e práticas culturais são fundamentais para a memória coletiva da sociedade brasileira.
Brasília, 04 de outubro de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Patrimônio e Museus
Leia aqui a nota em PDF.