Personalidade:
"Conheci Galvão na sua casona na rua Mariz e Barros, na Tijuca. Nós ambos muito jovens, igualmente apaixonados pela poesia (Galvão poetava) e por nosso ofício de etnólogos andarilhos, estudando índios pelos brasis interiores. Convivemos por décadas. Às vezes trabalhando juntos, primeiro nos bons anos nossos de antropólogos do Serviço de Proteção aos Índios, para onde o levei; depois na Universidade de Brasília, que ele foi me ajudar a criar, incumbindo-se da implantação do Insituto Central de Ciências Humanas. Mesmo distantes, sempre nos soubemos e nos comunicamos; seja quando eu o visitava, sempre admirado de ver aquele carioca tijucano vivendo anos a fio sem tirar pé de Belém do Pará senão para ir às aldeias; seja através de cartas que até no exílio me chegavam vez por outra, sempre marcadas daquela aguda inteligência arredondada por uma bondade insopitável e irizada por uma ironia risonha que mofava de si mesmo e de todo o mundo. Estou a vê-lo dentro de mim, vermelho, escondido, atrás do narigão, rindo-se irônico de minhas tiradas: Macunaíma, diria. Mas, se ele era o próprio Macunaíma, como não falar assima a propósito de sua morte? Um Macunaíma de muito caráter... Seu desempenho foi o do maior antropólogo humanista que tivemos. Tão devotadoà sua ciência para que tanto contribuiu, como ao esforço de fazê-la leal e útil aos povos que estuda. Muitos temas atraíram o interesse científico de Galvão, desde o parentesco... até a cultura material. Interessou-se também pela religião indígena, em suas expressões xamanísticas...Outro tema de interesse supremo para Galvão, que ele versou ao longo de sua vida inteira, foi a análise do duplo trânsito da condição de índio tribal à de índio genérico, destribalizado, e deste à de tapuia acaboclado, como os que ele encontrou, perplexos, por toda a Amazônia (...).
Boletim da ABA # 28 |