Educação
Indígena

Projeto TUCUM

Consignando suas demandas por educação diferenciada na Constituição e na LDB, os movimentos indígenas assestaram sua energia política no sentido do desenvolvimento de ações educativas voltadas para os interesses de suas comunidades. A nível nacional, a ressonância das demandas de cidadania encaminhadas por esses movimentos, repercutiu na organização de setores do Estado, promovendo - através de Decreto (nº 26/91) e de Portarias ministeriais e interministeriais (nº 60/92 e 490/93) - normatizações possibilitadoras de novos processos e ações.

Em Mato Grosso, lideranças de povos indígenas, aproveitando a conjuntura favorável à interlocução aberta nas eleições de l994, conseguiram inscrever no Plano de Metas do candidato eleito ao Governo, compromissos de gestão da questão indígena priorizando o apoio à demarcação e à proteção das terras, assim como ao desenvolvimento de projetos nas áreas de educação escolar, saúde, agricultura e meio ambiente.

Ancorando suas reivindicações nessa abertura compromissiva do Governo, essas lideranças, em articulação com entidades de apoio ao índio, desenvolveram ações que levaram à criação do Conselho de Educação Escolar Indígena, CEI/MT, em 20 de julho de l995 (Decreto 265/95). Neste mesmo ano, o Governo de Estado, com a co-participação de agências interessadas na educação escolar indígena, criou o Projeto Tucum - Programa de Formação de Professores Indígenas para o Magistério (1).

O Programa, abrangendo l7 municípios, envolve professores Rikbatsa, Paresi, Apiaká, Kayabi, Munduruku, Irantxe, Umutina, Nambikuara, Xavante, Bakairi e Bororo. Os 200 cursistas inscritos presentificam no Programa 11 (onze) dos 35 povos indígenas existentes em Mato Grosso.

O Projeto Tucum inclui-se no componente educação do Programa Agroambiental de Mato Grosso - PRODEAGRO - que conta com financiamento do Banco Mundial e o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Dele participam, além das Prefeituras Municipais de Água Boa, Barra do Garças, Barão de Melgaço, Barra do Bugres, Brasnorte, Campo Novo dos Parecis, Campinápolis, General Carneiro, Juara, Nobres, Planalto da Serra, Paranatinga, Rondonópolis, Santo Antônio do Leverger, Sapezal e Tangará da Serra, a FUNAI e organizações não governamentais como o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Operação Amazônia Nativa - OPAN, Sociedade Internacional de Lingüística - SIL, Congregação das Missionárias Lauritas, Missão Salesiana, Junta Missionária Nacional - JMN, Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas - CICAF. O Projeto é coordenado pela Secretaria de Educação e pela Coordenação de Assuntos Indígenas - CAIEMT.

Pretendendo a formação de professores na perspectiva de uma escola indígena autônoma, o Projeto Tucum "tem como objetivos a capacitação e habilitação de professores índios: acesso e desenvolvimento escolar de outras formas de conhecimento advindos de formações culturais diversas; condições de desenvolvimento de processo educativo fundado nas culturas e formas de pensamento indígenas; condições de produção de conhecimento de processo interativo escola/comunidade e fortalecimento desse processo; valorização do profissional de educação das escolas indígenas; elaboração de proposta curricular diferenciada, bilíngüe e intercultural, para as escolas indígenas em que os cursistas atuam" (Mendonça e Vanucci, l997:89) (2).

O curso de formação para o magistério é parcelado e se desenvolve em situação de serviço, num movimento de alternância de etapas de formação intensiva, nos períodos de férias e recessos escolares, e etapas intermediárias, realizadas nas aldeias, quando os cursistas desenvolvem atividades programadas de estudo e pesquisa, com atendimento interrupto de monitores do Projeto. Dos quatro Polos regionais em que está organizado, os Polos II e III envolvem cada um uma só etnia, mas o Polo IV já envolve professores de dois povos indígenas e o Polo I envolve cursistas de nada menos que oito povos diferentes

Circunstanciando um amplo e complicado campo relacional, percutindo uma intrincada gama de tensões e conflitos, esse é um Projeto de riscos, susceptível às armadilhas que seu formato encerra. Visto sob esse prisma, o Projeto Tucum apresenta-se para seus críticos como arriscado, discutível, "perigoso", versão atualizada do integracionismo civilizatório sob o invólucro da nova retórica da pluralidade, da diversidade, articuladora de novos modos de subordinação da diferença. Por oportuno, todavia, convém registrar que as tensões e conflitos transbordam as relações de alteridade étnico-cultural e a questão pedagógica, derramando-se em vazantes de confrontos teóricos das abordagens, de competições de autoridades, de autoria, de legitimidade, de pertinência, de precedência entre profissionais de instituições distintas, do mesmo campo de conhecimento ou de campos diferentes.

Partilhando uma visão mais otimista, possível em meio aos riscos, considero da maior importância levar-se em conta que os cursistas são, eles mesmos, protagonistas dos movimentos por autodeterminação de seus povos, sujeitos históricos ativos, partícipes das lutas pelos direitos específicos dos povos indígenas. Por outro lado, ainda que de modo pontual, o Projeto Tucum - ao promover periodicamente a articulação da ação do Estado e Municípios na realização das etapas de planejamento e de formação intensiva, enseja no âmbito das Prefeituras Municipais e de setores da Secretaria de Educação do Estado uma prática educativa esclarecedora acerca da questão indígena e dos deveres dos setores públicos e dos seus funcionários em relação ao direito à diferença e à cidadania dos povos indígenas locais.

Cada projeto de educação escolar diferenciada envolvendo a formação de professores indígenas, sob a ótica do projeto da escola indígena autônoma é um projeto-processo particular que, no processo mais amplo de globalização, tende a integrar uma rede estratégica, uma rede de solidariedades entre sujeitos políticos coletivos étnica e culturalmente diferenciados, configurando um novo patamar de complexidade das suas ações e, consequentemente, da análise dessas ações coletivas (3).

Expressões de extraordinária densidade dessa rede em movimento, foram a Conferência Ameríndia de Educação e o Congresso de Professores Indígenas do Brasil, realizados em Cuiabá, de l7 a 2l de novembro/97, como pautas de debate ampliado da educação indígena do CEI/MT em articulação com o Projeto Tucum.

"A educação escolar tem-se incorporado de maneira progressiva e inexorável ao cotidiano do Povos Ameríndios. Os debates acerca do lugar institucional da escola, dos seus limites e possibilidades, são permeados por iniciativas de escolarização implementadas por diferentes instituições e dirigidas aos objetivos mais diversos, resultando em experiências pontuais e fragmentadas". Sob o influxo dessas preocupações, a Conferência e o Congresso tiveram como objetivo geral "aprofundar a reflexão e o debate acerca das políticas em educação escolar indígena no Brasil e na Ameríndia, especialmente no que concerne à oferta de educação específica, diferenciada, de qualidade e em todos os níveis, e aos programas de formação de professores indígenas" (4).

Desses eventos participaram 685 professores indígenas (do Brasil e de vários países latino-americanos), l34 representantes de órgãos públicos e Universidades, 36 membros de organizações não-governamentais, 48 integrantes da equipe de coordenação e apoio, 28 outros participantes (convidados, profissionais da imprensa, visitantes) (5). Conferencistas, palestrantes e debatedores do Brasil, do México, da Guatemala, da Bolívia, do Paraguai, do Peru, do Equador colaboraram no debate que teve nas sessões de relatos de experiências seu mais rico foco de produção criativa. Construiu-se uma oportunidade de trocas de conhecimentos, de esclarecimentos, de estratégias de encaminhamentos. Mais que isso, constituiu-se a possibilidade recursiva de realização cíclica de outros fóruns, outras Conferências Ameríndias de Educação, outros congressos nacionais e internacionais de Professores Indígenas.

Maria de Lourdes Bandeira
Universidade Federal do Mato Grosso





Boletim da ABA # 29


 

 

Notas:

(1) Secretaria de Estado de Educação e Coordenadoria de Assuntos Indígenas - Projeto Tucum: Programa de Formação de Professores Indígenas para o Magistério. Cuiabá, Mato Grosso, l996 - (retorna)

(2) Secretaria de Estado de Educação e Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso - Urucum, Jenipapo e Giz: A educação escolar indígena em debate. Cuiabá, Entrelinhas, l997 - (retorna)


(3) Scherer-Warren, Ilse - Redes de movimentos sociais. São Paulo, Loyola, 2ª ed, l996 - (retorna)



(4) Folder dos eventos - (retorna)





































(5) Secchi, Darci - Relatório Final de Consultoria. PNUD/BRA/94/006-PRODEAGRO. Cuiabá, 30 de novembro de l997 - - (retorna)