Editorial

 

 

 

ABA 1998-2000

Na XXI Reunião Brasileira de Antropologia (Vitória, 5 a 9 de abril de 1998) foi eleito o Conselho Diretor, cuja gestão se estenderá até o ano 2000. Conforme determinação estatutária, a diretoria deve submeter ao Conselho Científico seu programa de ação. Neste Editorial, apresentamos aos sócios as linhas diretrizes que procuraremos seguir durante estes dois anos.

As metas são modestas e, ao mesmo tempo, complexas: manter a tradição da ABA de uma atuação democrática, ética, sem filiação partidária, em constante diálogo com seus associados e conselheiros, congregando os antropólogos a fim de entender a heterogeneidade sócio-cultural do país.

A dimensão dessa tarefa é evidente: a antropologia, com a consolidação dos programas de pós-graduação, cresceu em número e diversidade de temas. E o pequeno conglomerado de antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, lingüistas e filólogos, centrados principalmente em torno dos temas indígenas, com tímidas entradas nos estudos de comunidade, que não ocupava todos os lugares do salão nobre do Museu Nacional, na I Reunião Brasileira de Antropologia (1953), cresceu em número de associados, na diversidade de teorias praticadas e no diálogo com parceiros de outros países. Basta lembrar que a amplitude da reunião de Vitória - sob a coordenação de Cíntia Ávila de Carvalho e Celso Perota - sediada na Universidade Federal do Espírito Santo - contou com cerca de 1000 participantes, tendo sido realizados 31 grupos de trabalho, 22 mesas-redondas, mostra de vídeos, 13 exposições etnográficas, fóruns e conferências (vide Boletim da ABA, nº 29, primeiro semestre 1998).

O país também cresceu e mudou. Passamos da euforia de uma democracia plena e desenvolvimentista para um regime de exceção, durante o qual vimos colegas presos e humilhados. Reconquistamos a democracia, nova constituição foi promulgada, a imprensa voltou a se expressar livremente. A discussão de modelos econômicos tornou-se um tema central. E a aspiração de um mundo sem fronteiras geográficas, globalizado, tomou o lugar do nacionalismo. Porém, entre rupturas e continuidades, nem tudo mudou. As desigualdades sociais se ampliaram. Para além das questões climáticas, a seca deste ano no nordeste expressou com agudeza a gravidade da questão social em nosso país.

Simultaneamente, as recentes doutrinas econômicas defendem e projetam a "flexibilização" dos direitos trabalhistas, da obrigatoriedade da educação e saúde públicas. A Previdência Social, paulatinamente, vem sendo substituída pela previdência privada. Se antes a miséria estava circunscrita às áreas rurais, aos sertões das secas e às favelas, hoje ela está no virar da esquina de bairros de classe média e alta, debaixo das marquises, e os prédios se transformaram em castelos medievais, cercados de grades, nos quais só se entra após falar com o porteiro eletrônico. O índice de desemprego é um dos mais altos da história do país. Pensava-se que a Constituição de 1988 resolveria definitivamente a questão da terra indígena. Porém, as solicitações de apoio que a ABA mais recebe são relativas a demarcações, invasões e a laudos antropológicos de terra indígena e à permissão para entrada de antropólogos em área indígena.

O paradoxo para o antropólogo de hoje pode ser traduzido no verso de uma velha canção de Moustaki, em voga na década dos 70: "nada mudou e, entretanto, tudo é diferente". Assim, entende-se por que o propósito de apenas continuar a tradição da ABA, no atual cenário nacional, é ao mesmo tempo um programa modesto e complexo. A estratégia adotada para contornar essa complexidade foi dividir as tarefas da diretoria com três comissões: a de assuntos indígenas, a de assuntos da terra e a de direitos humanos. A estas comissões está designada a tarefa de organizar grupos de trabalho em que se consubstancie o conhecimento já produzido sobre tópicos de cada um de seus domínios. Este Boletim já reflete essa divisão de trabalho e o quanto estas Comissões podem dinamizar e enriquecer a reflexão em nossa Associação. Os textos aqui publicados constituem uma primeira demonstração desta possibilidade.

Deixamos para a nossa página da Internet - muito visitada, diga-se de passagem - a função de divulgar encontros, pesquisas em andamento, lançamento de livros, programas de cursos de graduação e pós graduação, revistas e livros recebidos. Através do correio eletrônico, esperamos manter um canal constantemente aberto não só para divulgar atividades científicas, mas também para agilizar a comunicação em situações que atinjam os direitos cidadãos de antropólogos e das populações com as quais trabalhamos. Para o Boletim, que é semestral, gostaríamos de reservar espaços para contribuições substantivas das Comissões e também para artigos que façam a intercessão entre o fazer acadêmico, as questões da cidadania e de ética profissional. Nesta perspectiva, com o objetivo de informar a comunidade científica, o presente número traz também um relatório de atividades desenvolvidas no âmbito do Convênio ABA-FORD que se refere ao Projeto Quilombos: Laudos Antropológicos, Consolidação de Fontes de Consulta e Canais Permanentes de Comunicação, coordenado por Eliane Cantarino O´Dwyer.

Em resumo, trata-se de trazer a público a específica contribuição da Antropologia tanto para um melhor entendimento dos problemas sociais aguçados nas últimas décadas, quanto para a busca de caminhos alternativos que favoreçam a afirmação da cidadania, em sua diversidade cultural. Só assim a Associação Brasileira de Antropologia poderá procurar novas respostas para velhos e novos problemas sociais e profissionais. Garantindo o pleno exercício do ofício de antropólogo estaremos contribuindo para manter aceso o espírito crítico que sempre presidiu a profissão, e nos uniu na ABA, e - ao mesmo tempo - poderemos atualizar nossas linhas de ação. Certamente, para realizar estes objetivos, estamos contando com contribuições, críticas e sugestões de todos os associados.

Por fim, queremos deixar aqui consignado o nosso especial agradecimento a todos que participaram da gestão que nos precedeu. Agradecemos à Álvaro D’Antona, Sonia Maria de Carvalho, auxiliares dempre presentes e , particularmente à presidente Mariza Corrêa, Márcio Silva - secretário, à Fernanda Peixoto - tesoureira, pela paciência e carinho na fase de transição e de mudança de sede.

A Diretoria

 


Boletim da ABA # 30