..Sobre política nacional de informação | ||
|
||
Jayme Moraes Aranha Filho Antropólogo. Representante da ABA no GT Informação/SBPC |
Desde 1997, um Grupo de Trabalho abrigado pela SBPC vem se reunindo mais ou menos periodicamente, dedicado ao exame da situação atual e de sugestões alternativas a uma política nacional de informações sociais. Sob o título de "GT sobre Política Nacional de Produção e Disseminação de Informações Sociais, Econômicas, Demográficas, Territoriais e Ambientais", ou, mais sinteticamente, GT-Info/SBPC, ele é composto por representantes designados por várias sociedades científicas, justo de categorias profissionais que utilizam e produzem tais informações. O GT já realizou 8 reuniões; a ABA esteve representada nas últimas três. Durante a próxima reunião anual da SBPC (Porto Alegre, julho/99), o GT estará organizando um Simpósio para debater "Por que e como definir uma política de informação para o país?". É para registrar brevemente o contexto do seu aparecimento e atividades, e situar a função estratégica que o grupo poderia vir a exercer que se voltam estas notas.
Origens:
encontro de produtores e usuários
Apesar da extensão do título do grupo de trabalho, e da sugestão abrangente dos seus termos, o objeto dos trabalhos é na verdade bastante específico. O escopo das `informações' consideradas refere-se antes de tudo (1) a índices estatísticos (embora também a dados cartográficos e geográficos); (2) e apenas aqueles produzidos por agências do Estado; (3) que pretendem retratar algum aspecto da realidade nacional (social, econômica, etc.); e (4) que norteiam a tomada de decisões em política pública e desenvolvimento científico e tecnológico. Um foco assim restrito predominantemente às informações estatísticas estatais deriva do modo e contexto no qual o GT surgiu. Em maio de 1996, o IBGE promoveu um inédito `Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais', que retomava em outros moldes a tradição das chamadas `Conferências Nacionais de Estatística e Geografia', agora sob o lema da "informação para uma sociedade mais justa". Nas palavras de 1995 de Simon Schwartzman (então presidente do IBGE), o encontro, além de visar recolher sugestões para o planejamento do trabalho do Instituto, "deverá refletir, sobretudo, o momento de descentralização político-administrativa que o país está vivendo, e a preocupação crescente com a agenda de justiça social que se torna cada vez mais imperiosa, e que deverá ir condicionando o trabalho das instituições de produção de dados e seu relacionamento com os diversos segmentos da sociedade". O debate aberto visava "buscar novas metodologias e renovar a agenda de temas e questões a serem pesquisados", após longo período de regime institucional centralizador e pouco inovador (cf. refs. ao final). No calor dos debates do evento, representantes de entidades científicas presentes tomaram a iniciativa de organizar o `I Fórum Nacional de Usuários de Informações Sociais, Demográficas, Econômicas e Territoriais'. Seu tema central era a urgência da elaboração de uma política nacional de informação, que representasse um `pacto' entre produtores e usuários por um modo mais democrático e participativo de produção e disseminação de informação. Como desdobramentos, redigiu-se um documento inicial, estabelecendo princípios consensuais, e propôs-se a formação do GT, com a incumbência de, seguindo os princípios consensuais aprovados, aprofundar suas diretrizes no rumo da elaboração de uma política nacional de informação, e na proposição de uma instância formuladora ou reguladora de uma tal política. Mais-informação Este GT está longe de ser uma iniciativa única. Não há como ignorar que acontecimentos e rearranjos institucionais de grande envergadura estão ocorrendo, vinculados ao estatuto do que se tem chamado até aqui, na falta de melhor designação, `informação'. O GT-Info/SBPC surgiu no meio de profissionais das estatísticas sociais. Mas, sob outros enfoques ou partilhas, eficazes ou não, diferentes grupos de trabalho e comissões vêm se constituindo para discutir novos moldes de gestão de informações de relevância social. Vale mencionar de relance ao menos duas destas iniciativas, que demonstram o quanto a questão da informação vem se tornando complexa, pervasiva, e central na agenda das políticas de gestão social. Mais ou menos na mesma época do surgimento do GT-Info/SBPC, esteve funcionando no âmbito do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, órgão transministerial ligado diretamente à Presidência da República, um GT dedicado explicitamente a conceber "uma estratégia nacional para estimular a adequada inserção da sociedade brasileira na Sociedade Global da Informação". Sob a convicção da capacidade inerentemente modernizante e democratizante das novas tecnologias telemáticas (em especial as redes de comunicação por computador, a Internet), os trabalhos do grupo se voltaram basicamente para 1) localizar as prioridades de investimentos em infra-estrutura tecnológica; 2) examinar possíveis usos e efeitos macrossociais da implantação de tecnologias telemáticas na sociedade brasileira, e sugerir políticas de alavancagem na sua disseminação, através da eleição de projetos-piloto por área de aplicação, capazes de servir como demonstrações do potencial e exercer papel multiplicador. Em outro cenário, o do Conselho Nacional de Saúde, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa vem procurando codificar normas precisas que regulamentem todo e qualquer empreendimento de coleta de informações referentes a seres humanos com fins de pesquisa científica. Precipitada pela explosão de situações inusitadas derivadas de pesquisas em biotecnologia, e imaginada antes de tudo para padronizar procedimentos e coibir abusos nessas áreas, a iniciativa de estabelecer um código de normas a serem obedecidas por qualquer pesquisa que envolva seres humanos, pela generalidade com que está sendo formulado, acaba também tendo implicações diretas, eventualmente danosas, para outras áreas científicas que não as biociências. Pois as mesmas exigências formais a serem cumpridas por um geneticista na ocasião de uma experiência de implante de células manipuladas deverão também ser obedecidas no caso de uma entrevista de campo por parte de um antropólogo. O mais preocupante é que os cientistas sociais aparentemente ainda não se mobilizaram para intervir nestes debates. Não é preciso lembrar que não basta omitir-se de interferir na formulação de uma lei para ficar depois dispensado de obedecê-la. Parodiando o imperativo máximo da bioética, ao invés do `consentimento informado' que os bioeticistas unânimes exigem que se obtenha dos humanos submetidos a pesquisa, aqui, os cientistas sociais estão sendo submetidos a procedimentos cirúrgicos nas normas que ditam o que é permitido no seu ofício, sem que cheguem a estar nem informados nem consencientes.
GT:
em busca da fórmula de uma instância permanente
O `GT Informação', da SBPC, é formado por representantes de sociedades científicas (pelo menos 12 delas estão representadas), cujas categorias estão intrinsecamente envolvidas com estatísticas sociais, seja como consumidores (dependem dos índices para nortearem ou informarem suas pesquisas, ou para tomar decisões administrativas ou estratégicas, etc.), senão também como produtores. Dentre as atividades em que se concentrou até agora, destacam-se a `consulta aos usuários', a análise comparativa de políticas públicas de informação em diversos países, e o levantamento da legislação federal que regula a produção de informações estatísticas: 1) A `consulta aos usuários': em fins de 1998 foi encaminhado às entidades participantes do GT para distribuição entre os seus associados, e também a outras entidades e `usuários estratégicos' de dados estatísticos, um questionário a respeito do uso de bancos de dados, avaliando quais os usados, meio de acesso, grau de satisfação, etc. Apesar da fraca resposta (menos de duzentos respondentes), os dados obtidos foram tabelados, e os resultados considerados indicadores válidos da opinião de uma fatia de usuários, a serem levados em consideração no desenvolvimento das demais análises. 2) Iniciou-se a análise de alguns trabalhos acadêmicos de políticas públicas de informação estatística, comparando as soluções adotadas em diferentes países. Alguns tópicos são recorrentes, como a discussão sobre a pertinência da centralização de um sistema nacional de estatísticas oficiais, a independência do órgão produtor face ao poder público, o princípio de que a informação é um bem público que obriga a sua ampla divulgação, a garantia da privacidade dos cidadãos pesquisados. Também é um tema obrigatório o da necessidade de uma estrutura de decisão política que não se concentre exclusivamente no próprio órgão produtor, mas que comporte a interveniência de um conselho ou comitê consultivo cuja constituição em muito varia em cada caso, tanto quanto ao modo como se escolhem seus membros (e.g. indicados por ministros de Estado, ou vinculados ao parlamento), como quanto ao prazo de participação de cada membro, o seu vínculo institucional (e.g. especialistas membros da comunidade científica, ou representantes de entidades da sociedade civil mais geral). 3) Também foi iniciado um exame preliminar da legislação federal que regulamenta o setor estatal de produção de indicadores sociais, reunindo basicamente os decretos e as leis que regem a Fundação IBGE, os que estabelecem a produção do RAIS, e os que visam ao compartilhamento ou integração das informações de bancos de dados mantidos por órgãos estatais. Todos os esforços até agora têm por alvo o horizonte de trabalho do grupo, qual seja: (1) a produção de um documento de análise crítica e recomendações de política pública para o setor, especialmente que apresente e embase a proposta de formação de uma instância decisória colegiada a nível federal, um comitê com poderes de determinar a política nacional de informação; (2) a articulação e preparação de um `2o Fórum Nacional de Usuários' onde todos os resultados possam ser submetidos a escrutínio público. Os trabalhos estão ainda em curso, e, após anos de política autoritária, tecnocrática ou simplesmente burocrática para o setor, é encorajadora uma iniciativa desta natureza, que pode vir a ter conseqüências significativas para o modo como se produz e consome estatísticas sociais no país.
Notas e referências As declarações de Simon Schwartzman foram retiradas de dois de seus textos, um de 1995, "Informações Estatísticas e Justiça Social" (disponível eletronicamente em http://www.fdbs.org.br/simon/confest1.htm), e outro de 1997, "O Espelho do Brasil: apresentação do relatório anual do IBGE de 1996" (disponível eletronicamente em http://www.fdbs.org.br/simon/espelho.htm). Alguma informação sobre os trabalhos do `GT Sociedade da Informação' do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia pode ser apreendida da leitura do documento "Ciência e Tecnologia para a Construção da Sociedade da Informação no Brasil", de autoria de Campos, Lucena e Meira, de 1997, e disponível no sítio do Conselho em http://www.cct.gov.br/gtsocinfo/ Quanto à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de 10 de outubro de 1996, que dispõe sobre "Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos", ela pode ser consultada a partir da página web da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, em http://www.saude.gov.br/web/conselho/Pgcomissoes3_1.htm. Quem primeiro me chamou a atenção para o que estava em curso nesta Comissão foi o Prof. Theophilos Rifiotis (UFSC), que aliás voltou a mencionar brevemente o assunto no último Boletim da ABA (nº 30, II/98, p. 43). Na formulação deste artigo, muito proveito tirei das análises e sugestões feitas por Nelson Senra em um artigo de 1998 publicado na Revista da ANPEC (Brasília, n. 4, fev/98, pp. 199-211), intitulado "As Sociedades Científicas e a Informação Estatística. O SBPC/GT-INFORMAÇÃO, (Des)Encontro Marcado entre Usuários e Produtores?" (Obs.: ANPEC é a Assoc. Nac. de Centros de PG em Economia). Também dos resumos das reuniões do GT, que Ilara Hämmerli Sozzi de Moraes, representante da ABRASCO, permitiu consultar.
|
Boletim
da ABA, nº 31 - 1º Semestre de 1999
|
||
<< sumário |