A atenção à saúde dos povos indígenas: breve histórico.

 

Cibele Barreto Lins Verani

Antropóloga.

Integrante da Comissão Intersetorial de Saúde do Índio do Conselho Nacional de

Saúde Pesquisadora associada em C&T da ENSP/Fiocruz.

Representante da CISI na

Comissão de Formulação da Política de Saúde do Índio da

Secretaria de Políticas do

Ministério da Saúde

Como descentralizar a saúde do índio?1

Atualização feita por Cibele Barreto Lins Verani de entrevista publicada por Cristina Ruas, Editora, no Jornal do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde do SUS), ano III, nº 46, set./out. de 1998: 8-9.

Como a lei do SUS (Sistema Único de Saúde) poderá se adequar à saúde do índio? Como se poderá descentralizar a atenção ao indígena, sem imediatamente municipalizá-la, sem a adequação necessária? Isso representa a extinção da responsabilidade da FUNAI com a saúde dos índios? Tais questões foram objeto de discussão durante o Workshop sobre Distritos Especiais Indígenas "Gestão, Gerência e Modelos Organizacionais", promovido pela Fundação Nacional de Saúde (FNS) e pela Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (CISI) do Conselho Nacional de Saúde (CNS/Ministério da Saúde), nos dias 5 a 9 de outubro de 1998, bem como de todas as reuniões da CISI em 1998. Em 1999, o Departamento de Operações da Fundação Nacional de Saúde (DEOPE/FNS) incorporou as sugestões do Workshop e da CISI e está submetendo a reuniões macro-regionais uma proposta para organização de Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Essas reuniões culminarão com a realização da 3a Conferência Nacional da Saúde do Índio, ainda no primeiro semestre de 1999.

Por sua diversidade _ em torno de 250 etnias e mais de 170 línguas _ a população indígena deve ter atenção diferenciada, não como um privilégio, mas sim para que o índio possa receber o mesmo direito de assistência que qualquer cidadão. Além da língua, sua moradia é de difícil acesso e, devido à cultura distinta, lhe é dificultado o acesso aos benefícios da sociedade nacional. Poucos são aqueles que adquirem carteira de identidade, título de eleitor, emprego, assistência médica, e o fato é que o índio vive na marginalidade social, ideológica e política.

Outra indagação que se faz é se o gestor municipal, com as parcas verbas que lhe chegam do Sistema Único de Saúde, irá abrigar a saúde do índio de forma devida, isto é, diferenciada, para que seja universal e igualitária.

O movimento sanitário indigenista brasileiro defende a criação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Com base descentralizada, este Subsistema Diferenciado de Saúde do Índio substituirá o município nas ações de saúde do índio, adequando tais ações às especificidades etno-culturais dos povos indígenas, visando a implementação de programas de atenção integral para regiões definidas a partir de bases étnicas, históricas, epidemiológicas e geográficas. Tal proposta foi aprovada em forma de moção na 9ª e na 10ª Conferências Nacionais de Saúde. Atualmente, o Ministério da Saúde tem uma proposta de reorganização da assistência ao índio, baseada: no Relatório Final da 2ª Conferência Nacional de Saúde do Índio (Luziânia, 1993); no texto constitucional sobre o indígena (Constituição Federal, Arts. 196 a 200) e sobre o SUS (Art. 9°); no Projeto de Lei n° 4.681-C/94 do Deputado Sergio Arouca (conhecida por Lei Arouca), que se fundamentou, por sua vez, no Relatório Final da 2a Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas; no Parecer da 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República (de Minorias) de 1998 (o qual considera inconstitucional o Decreto Presidencial 1.141/94, que revoga os Decretos 23/91 e outros, criando a Comissão Intersetorial-CIS); e em outros documentos (Relatório Final do Workshop de novembro de 1998, Relatório da CISI encaminhando ao Conselho recomendações sobre a necessidade de um subsistema de Saúde do Índio integrado ao SUS, etc.). A base organizacional dessa proposta do MS seria o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), sistema local de saúde (SILOS) que adequaria às especificidades das populações indígenas a promoção, proteção e assistência à saúde do SUS de forma diferenciada. Esta adequação às especificidades culturais, históricas, epidemiológicas e operacionais do subsistema que atenda aos indígenas é designada como Modelo Assistencial Diferenciado pelos "militantes" do indigenismo sanitário.

Para subsidiar os Secretários Municipais de Saúde neste debate, o Jornal do CONASEMS publica parte do trabalho de Cibele Barretto Lins Verani realizado a partir de experiências vividas em Bangladesh, no início do desenvolvimento da Política de Cuidados Primários de Saúde, e no Brasil como membro do movimento sanitário indigenista, através da "participação observante". Cibele é integrante da Comissão Intersetorial de Saúde do Índio do Conselho Nacional de Saúde, mestre em antropologia social pelo PPGAS/Museu Nacional, pesquisadora associada em C&T da ENSP/Fiocruz e foi eleita, na última reunião de 10/3/99, para representar a CISI na Comissão de Formulação da Política de Saúde do Índio da Secretaria de Políticas do Ministério da Saúde.

A Política de Saúde do Índio e a Organização dos Serviços no Brasil2

Os povos indígenas da América, como todas as sociedades humanas, sempre tiveram formas próprias de lidar com os problemas de doença, cura e prevenção.

A partir do "descobrimento" (processo de colonização pelos povos de origem européia), houve a introdução de novos agravos à saúde até então desconhecidos, como a varíola e formas letais de tuberculose, nas tentativas de escravização do índio como mão de obra do sistema colonial. 3 Houve igualmente a introdução de novas doenças na Europa, levadas pelas naus desbravadoras. Concomitante ao processo de conquista, foram instaladas nas novas fronteiras missões religiosas, em especial as jesuítas. A disseminação da tuberculose guarda estreita relação com a implantação destas missões.4

Desde então, até o início do século atual, quando a questão indígena passou a ter uma política oficial de "pacificação" e "assistência" laica assumida pelo Estado, a assistência à saúde do índio limitava-se a um complemento assistencial dependente da política de catequese, ou do uso da medicina tradicional indígena. Algumas iniciativas isoladas, porém, acompanharam os processos de expansão das fronteiras nacionais ao longo dos séculos que se seguiram.

Somente a partir do início do século XX, com a atuação de Rondon e seus seguidores, que culminou com a instituição do SPI (em 1910), a assistência à saúde do indígena passou a ter uma atenção do Estado a nível nacional. Podemos especular se o modelo de assistência, baseado na assistência médica curativa desenvolvida por indivíduos nas aldeias e alguns nos Hospitais Indígenas (Casas do Índio), efetivamente colocava à disposição dessas populações os mesmos recursos técnicos disponíveis à população nacional (Regina Erthal, comunicação pessoal). Não obstante, já havia consenso de que a população indígena requeria uma estrutura específica para o atendimento aos seus problemas, em particular os de saúde, devido a fatores culturais e operacionais (áreas de difícil acesso), além dos epidemiológicos (falta de memória imunológica dos grupos de contato recente para as doenças infecciosas que causavam altos índices de mortalidade,5 e dos político-ideológicos (discriminação social; estereótipos do indígena como "selvagem" e, portanto, como uma ameaça a ser extinta; ou "preguiçoso", com a conseqüente cobiça pela exploração do potencial econômico de suas terras para agropecuária, extração de madeira e outros produtos de forma não sustentável, garimpagem, etc., presentes em grau muito mais acirrado em certas regiões no nível local, levando ao conflito com as povoações municipais do entorno das terras indígenas).

Na segunda metade do século XX, destaca-se a atuação do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) no Ministério da Saúde. A partir da experiência de Noel Nutels como responsável pela assistência à saúde na Expedição Roncador-Xingu, esse sanitarista implantou junto com o recém criado Correio Aéreo Nacional (CAN) um modelo de assistência aérea, levando equipes volantes constituídas por médicos sanita ristas, enfermeiros e técnicos em saúde para áreas de difícil acesso onde se localizavam as populações indígenas, estendendo no entanto essa assistência curativa e preventiva (controle da tuberculose, vacinação anti-variólica, diagnóstico, tratamento clínico e encaminhamento) à população envolvente.6

O SUSA era organicamente vinculado ao Ministério da Saúde. Posteriormente, as atividades de Saúde do Índio nesse Ministério passaram a vincular-se às Unidades de Atendimento Especial (UAE) e, por último, ao programa de Controle da Tuberculose.7

Na década de 60, o antigo SPI cedeu lugar à FUNAI (criada em 1967), órgão do Ministério do Interior.

Na década de 80, a FUNAI, e com ela o modelo assistencial das Equipes Volantes de Saúde (EVS's), sofreu ingerências políticas e administrativas externas assim como um processo de estrangulamento financeiro progressivo, que resultou no desmonte de suas atividades-fim.

No âmbito da política nacional de saúde, o movimento de Ações Integradas de Saúde (AIS) buscava organizar as ações desintegradas das múltiplas instituições governamentais e privadas que assistiam a população brasileira. Tal movimento, que posteriormente confluiu no Movimento de Reforma Sanitária, serviu de sustentação social para a organização e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), baseado nos princípios do modelo internacional da Política de Cuidados Primários de Saúde descritos na Declaração de Alma-Ata, da Organização Mundial de Saúde, de 1978: universalidade do atendimento (equidade), unificação, hierarquização e descentralização das ações de gerência, planejamento e gestão.

O SUS, já contemplado pelo novo texto constitucional no final da década de 80 e normatizado pela Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8080/90 ) e a Lei 8141/90, no entanto, não estabelecia a forma como a saúde das populações indígenas seria integrada ao Sistema.

Em 1991, o Decreto Presidencial n° 23 vai conferir base legal para a política indigenista proposta na 1ª Conferência Nacional - Proteção à Saúde do Índio.

O decreto 23/91, que dispunha sobre as atividades de saúde, delineava alguns elementos para um novo modelo assistencial inspirado nos princípios do SUS, com coordenação da recém-criada FNS, em conjunto com a FUNAI e com organizações religiosas, universidades, centros de pesquisa e organizações indígenas e indigenistas. A forma de operacionalização da atenção à saúde do índio seria por projetos e apontava para a figura do Distrito Sanitário Especial Indígena, que ganhava corpo no movimento indigenista vinculado à Saúde, por influência do movimento de implantação do SUS. O primeiro DSEI criado foi o Distrito Sanitário Yanomami (DSY), no Amazonas e Roraima. Posteriormente, foi criada a Coordenação de Saúde do Índio (COSAI), subordinada ao Departamento de Operações da FNS. O DSY foi criado como parte da estrutura orgânica da FNS, subordinado às Regionais de Roraima e Amazonas.

A figura do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) ganhou corpo como base descentralizada local (e não somente o município, pois as terras indígenas podem conter um ou mais municípios, ou até parte de vários estados) do subsistema diferenciado de atenção à saúde do índio, para que o distrito possa integrar ao SUS as ações das várias instituições que atuam no campo, incluindo aí os municípios interessados, integrando-as e adequando-as às especificidades culturais, epidemiológicas e operacionais dos povos e terras indígenas.

A organização da assistência à saúde do índio no âmbito do SUS subordinou-se, porém, aos avanços e retrocessos de seu processo de implantação. Em 15/8/91 foram criadas, no Conselho Nacional de Saúde, as Comissões Intersetoriais (dentre elas a de Saúde do Índio - CISI), que teriam por funções a definição de políticas de saúde para os setores específicos e o assessoramento técnico ao CNS. Atualmente, as comissões do CNS, dentre elas a CISI, bem como o próprio CNS, passam por reformulações de objetivos, papéis e composição.

Em 1994, o decreto 1.141/94, revogando o decreto 23/91, instituiu a Comissão Intersetorial (CIS) que, reunindo representantes de vários ministérios sob a Presidência da FUNAI, emitiu sua resolução nº 2, que estabeleceu um Modelo baseado em Planos Integrados para a Assistência à Saúde do Índio (PIASI), absorvendo várias propostas da CISI, do Relatório Final da 2ª Conferência e de outros documentos, estabelecendo, no nível local, os Conselhos Locais de Saúde (CLS), e separando atribuições para as duas instituições: as de caráter assistencial atribuídas à FUNAI, e as de caráter preventivo e de treinamento de pessoal atribuídas à FNS, domínios em que cada uma detinha experiência e resolutividade maior.

A CISI, o Controle Social e a Política de
Saúde do Índio do SUS

A Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (CISI) do Conselho Nacional de Saúde (CNS - órgão de controle social do Ministério da Saúde e supervisionador das políticas na área da saúde) foi criada como órgão setorial de assessoramento técnico, de formulação de políticas e de controle social. Esta última função passou a ser assumida por seus membros, militantes do movimento sanitário indigenista e lideranças regionais indígenas, bem como pelos participantes da 2ª CNSI e outros fóruns que se seguiram. Não obstante, o CNS vem, desde a gestão passada, considerando a CISI como um mero órgão de assessoria técnica às políticas levadas ao Conselho, o que leva a uma redução substancial tanto no número de membros quanto no seu papel, revertendo-o, de gerador de demandas e caixa de ressonância nacional dos problemas de saúde mais graves do setor, para um órgão que teria por função somente assessorar o CNS nas demandas que este encaminhasse à Comissão. Trata-se de fato de uma redução substancial no papel que esse órgão tem exercido em prol do movimento sanitário indigenista e da defesa dos direitos indígenas em todos os seus anos de existência.

A CISI teve, no início de seus trabalhos em abril de 1998, a solicitação da Coordenação do CNS para elaborar recomendação ao Conselho (que, uma vez aprovada, poderia tornar-se Portaria Ministerial) com as principais diretrizes para a criação do Distrito Sanitário Especial Indígena (único órgão do subsistema ainda não definido legalmente). Tal recomendação deveria incluir a avaliação de alguns casos concretos de aplicação dos princípios da Política de Saúde do Índio, proposta pela 2ª CNSPI e pela Resolução nº 2 da CIS, de criação dos primeiros DSEI e de Conselhos Locais de Saúde. Neste caso se inserem as experiências do Distrito Sanitário Yanomami, do Distrito Sanitário do Leste de Roraima, da Região do Alto Rio Negro, do Rio de Janeiro (cuja participação do município de Angra dos Reis é exemplar), dos vários Núcleos Locais estabelecidos no Estado do Mato Grosso e no Amazonas, e de outras regiões menores de outros estados como Rondônia, etc.

A CISI resolveu analisar esses casos através de debate, procurando explicitar, em relação às experiências concretas, os problemas e sucessos da aplicação dos princípios do SUS e do Modelo proposto para a Política Nacional de Saúde do Índio, com o objetivo de iniciar a implantação do Subsistema de Saúde do Índio do SUS, minimizando os erros que acompanham a implantação de qualquer organização ou política estabelecida a partir de princípios ideológicos gerais ou inspirados em outras realidades diversas, como é o caso de outros países.

A partir dessa iniciativa, e já se prevendo o aporte de recursos para a área de saúde do índio através do projeto "VIGISUS" (projeto de apoio à implantação da Vigilância Epidemiológica e em Saúde no SUS, financiado pelo Banco Mundial e Governo Brasileiro para a FNS) em 1999, foi realizado o Workshop sobre Distritos Sanitários Especiais Indígenas - Gestão, Gerência e Controle Social pela COSAI, com o apoio da FUNAI. O grande resultado positivo desta Oficina foi reafirmar os princípios já consolidados no Relatório da 2ª Conferência e divulgar os graves problemas da área e a necessidade da definição pelo órgão gestor do SUS de uma Política de Saúde para os povos indígenas, aos setores externos à área técnica e militantes do chamado indigenismo sanitário, os quais, assim como a população de que se ocupam, são alvo de marginalização social e política inclusive nos setores profissionais. Dentre esses setores externos ao "gueto" em que se encontrava a saúde indígena, é mister mencionar setores técnicos e de nível decisório hierarquicamente superiores, como a Secretaria de Políticas de Saúde, a Secretaria de Assistência à Saúde e de membros do Conselho Nacional de Saúde.

O primeiro relatório final do Workshop, porém, não agradou totalmente à CISI, que contribuiu para a reelaboração do documento escrevendo um outro para encaminhar, em anexo, o Relatório Final do Workshop e, novamente, o da 2a Conferência ao CNS, junto com as recomendações da CISI para implantação imediata do subsistema de Saúde do Índio pelo Ministério da Saúde e revogação do Decreto Presidencial 1141/94, já considerado inconstitucional pela procuradoria da República (vide citação supra). Esse documento e recomendações foram todos aprovadas no CNS em sua reunião de 2 e 3 de dezembro de 1998. Também foi de iniciativa da CISI a recomendação no sentido de que fosse criada na Secretaria de Políticas de Saúde uma Comissão de Formulação de Política de Saúde do Índio, o que está sendo feito desde 30/03/99, data da Portaria n°10/99 do Secretário de Políticas de Saúde do Ministério.

Paralelamente, o DEOPE/FNS assumiu a responsabilidade de propor um novo modelo organizacional para a Saúde do Índio baseado nos documentos citados anteriormente, como proposta inicial do Executivo, a ser discutida em reuniões distritais. A proposta foi submetida a contribuições e questionamentos dos membros da CISI em reunião financiada pelo DEOPE em 10/3/99 e será discutida nos cerca de 30 distritos macro-regionais definidos previamente em mapa que acompanha a proposta. Esse movimento de conformação da proposta e discussão iniciou-se em janeiro de 1999 e já em março e abril foram realizadas Reuniões Distritais, prevendo-se a consolidação da proposta final para maio/junho, quando será realizado o 2º Fórum de Saúde do Índio, que poderá vir a tornar-se a 3ª Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas. Já foram criados também, através de portaria da Presidência da FNS, os DSY e DSL (Distrito Sanitário do Leste de Roraima), vinculados diretamente ao nível central, atualmente COSAI/DEOPE, cuja tendência é transformar-se em um futuro Departamento de Saúde do Índio da FNS.

Finalmente, é importante citar que a proposta da FNS de reorganização da Saúde do Índio no Ministério da Saúde prevê uma medida provisória presidencial, na qual seriam repassados recursos humanos, financeiros e materiais da FUNAI para a FNS, que se transformaria no Departamento de Saúde do Índio e Operações da FNS. Essa portaria foi objeto de um longo processo de elaboração e negociação entre várias instituições e setores destas, sendo, finalmente, acordada pela Presidência da FUNAI e da FNS uma versão na forma de decreto que está tramitando nos órgãos superiores jurídicos, financeiros e políticos de decisão.

A situação de saúde e a organização dos serviços de saúde do índio no âmbito do SUS

A situação de saúde das populações indígenas brasileiras tem sido informalmente considerada como calamitosa. Dados informais recentes do Departamento de Saúde da FUNAI, que cremos superestimar a população, resultam em uma taxa de mortalidade de 7,90 óbitos por mil habitantes!

Essas taxas de mortalidade parecem altíssimas em comparação com o restante da população brasileira, embora discrepantes de área para área. Constata-se a enorme subnotificação, inclusive de dados populacionais, e a falta de consolidação e análise sistemática no nível central da FUNAI dos relatórios bimestrais das ADR's, exceção feita ao Relatório de Meirelles (1998), que consolida e analisa os dados do ano passado. A predominância de infecções respiratórias, malária e causas desconhecidas testemunha a falta de assistência especializada para o tratamento e diagnóstico a nível local de doenças infecciosas, cujas letalidades são perfeitamente preveníveis através da atenção primária.

Esse quadro é agravado pela inexistência de uma estrutura organizacional governamental do SUS, integrada à FUNAI, às ONGs e com participação indígena, que chegue ao nível local. Nesta conjuntura, a proposta de organização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e seu detalhamento normativo, que se pretende seja realizado na 3ª Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, são pré-condições para o estabelecimento de um sistema de vigilância em saúde, e mesmo de assistência e prevenção dos agravos à saúde e mortalidade dos povos indígenas brasileiros.

Finalmente, existe a necessidade _ se projetarmos para um futuro a médio prazo a aspiração de implantação de um sistema de vigilância em saúde, e não somente a de um sistema de informações e vigilância epidemiológica, que são a prioridade da saúde no momento _ de se encarar a diversidade etno-cultural e de contato como um dos principais aspectos que dificultam a identificação de fatores de risco dos agravos à saúde dos povos indígenas. Isso exigiria um Sistema de Informações qualitativas antropológicas e de organização dos serviços no nível local.


Notas:

1 Atualização feita por Cibele Barreto Lins Verani de entrevista publicada por Cristina Ruas, Editora, no Jornal do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde do SUS), ano III, nº 46, set./out. de 1998: 8-9.

2 Trechos atualizados de comunicação apresentada na reunião da ABA/98 e transformada em artigo já aprovado para ser publicado pelo Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi (no prelo).

3 Cf. DE SOUZA et al. "Saúde e doença. Grupos indígenas pré-históricos do Brasil: Paleopatologia e paleoparasitologia". In: Ricardo V. Santos & Carlos E. A. Coimbra Jr. (orgs.) Saúde e povos indígenas. Rio de Janeiro, Ed. da FIOCRUZ 1994,. pp.21-42, p. 28.

4 Cf. RIBEIRO, D. Os índios e a civilização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970.

5 Cf. BLACK, F. L. "Infecção, mortalidade e populações indígenas: Homogeneidade biológica como possível razão para tantas mortes". In: Ricardo V. Santos & Carlos E. A. Coimbra Jr. (orgs.) Saúde e povos indígenas. Rio de Janeiro, Ed. da FIOCRUZ, 1994. pp.63-87.

6 Cf. CEREZNIA COSTA, D. "Política indigenista e assistência à saúde. Noel Nutels e o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas". In: Cadernos de Saúde Pública, III (4):388-401, 1987.

7 Idem, ibidem.

 

 

 
Boletim da ABA, nº 31 - 1º Semestre de 1999
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