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Declaração dos filhos dos rios

 
 

Nós, Caciques e Lideranças, das etnias Apinajé, Javaé, Xavante, Xerente, Tapirapé, Krikati, Krahô, e Karajá, estivemos reunidos durante três (03) dias, em São Félix do Araguaia, Mato Grosso, para discutir os impactos ambientais, sociais e culturais da construção da hidrovia Tocantins-Araguaia.

Além dos povos indígenas aqui presentes, a hidrovia vai atingir os povos Gavião, Avá-Canoeiro, Gavião/Parkatejê, Parakanã, Aikewar/Surui, Assurini, Xikrin. Serão afetados também as unidades de conservação Parque Nacional do Araguaia, Reserva Extrativista Extremo Norte do Tocantins, Reserva Ecológica Estadual do Lageado (TO), Reserva Extrativista Ciriaco, Reserva Extrativista Mata Grande (MA), Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, Reserva Biológica do Tapirapé, Área de Proteção Ambiental Igarapé Gelado (PA), Parque Estadual Serra Azul, Área de Proteção Ambiental Estadual Serra Azul (MT).

O rio Araguaia, o rio Tocantins, o rio das Mortes, o rio Tapirapé, e o rio Javaé são moradia histórica dos nossos povos, razão pela qual vamos lutar juntos pela não destruição desses rios que servem para pescar, caçar, banhar, transportar, acampar, e onde realizamos rituais e também temos ligação forte com esses rios por se rem parte dos nossos mitos e origens.

A construção da hidrovia trará grandes prejuízos, como: poluição dos rios, destruição do habitat natural de peixes e de tartarugas, prostituição das nossa mulheres, secar rios (Javaé, Tapirapé) e lagos, e ocorrerão invasão das nossas reservas. Por isso invocamos o artigo 231, parágrafo terceiro da Constituição Brasileira.

Entendemos que o projeto da hidrovia não trará desenvolvimento que nossa região merece. Pois esse projeto só prevê a produção de soja e de outros grãos que serão destinados para alimentar porcos, galinhas e gados de outros países, enquanto que os cidadãos brasileiros passam fome, se alimentando dos restos dos lixos, sem nenhum emprego que possa lhes assegurar uma vida digna. Ou será que a vida desses animais vale mais do que nossos rios, nossas vidas e dos ribeirinhos?

Concluímos que o projeto da hidrovia não contribuirá para o avanço da qualidade de vida da população da região do Araguaia e do Tocantins. Por isso queremos que os recursos destinados para esse projeto devem ser aplicados em empreendimentos que gerem mais empregos, na melhoria das rodovias já existentes (BR-158 e BR-242), na conclusão das ferrovias Norte-Sul e Ferronorte, na melhoria da educação e da saúde, no reflorestamento das áreas degradadas, nos projetos agrícolas e no ecoturismo.

Nós queremos que o progresso que tanto se fala seja realmente para todos, mas para isso é necessário que o pequeno produtor, os povos indígenas, os ribeirinhos e todo o povo da região participem dele. Por isso lutaremos para que os projetos propostos para a região tragam o progresso que queremos para todos.

Daqui em diante esperamos um diálogo aberto com o Governo Federal para buscar soluções. Pois entendemos que se não houver diálogo conosco, é porque estará se declarando guerra contra os nossos povos.

São Félix do Araguaia, 10 de março de 1999.

Terra Indígena Xerente

Terra Indígena Krahô

Terra Indígena Apinajé

Terra Indígena Krikati

Terra Indígena Xambioá

Reserva Indígena Pimentel Barbosa

Reserva Indígena Areões

Terra Indígena Urubu Branco

Terra Indígena Tapirapé/Karajá

Terra Indígena São Domingos

Parque Indígena do Araguaia

 
Boletim da ABA, nº 31 - 1º Semestre de 1999
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