A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto com sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) e seu Comitê de Laudos Antropológicos (CLA) vêm por intermédio desta nota esclarecer a sociedade brasileira em geral, e a o Ministério Público Federal (MPF) em particular, que chegou ao nosso conhecimento a informação de que pessoas sem a mínima qualificação e legitimidade, estão sendo nomeadas na Fundação Nacional do Índio (Funai) para coordenar e realizar estudos de identificação e delimitação de terras indígenas
A última iniciativa da Funai ocorreu com a publicação da Portaria Funai nº 345, de 15 de junho de 2021, que constitui Grupo Técnico (GT) para realizar “estudos de natureza etno-histórica, antropológica, ambiental e cartográfica, com o objetivo de identificar e delimitar a Terra Indígena Piripkura”, localizada nos municípios de Colniza e de Rondolândia, no estado do Mato Grosso.
A área ocupada pelos Piripkura, subgrupo indígena Kawahiva, em situação de isolamento, está legalmente resguardada pela Portaria nº 121, de 18 de agosto de 2018, publicada em 26 de setembro de 2018 e com validade até setembro de 2021. Não obstante a existência da medida de restrição de uso, a área está sendo invadida, desmatada e sofrendo ações de grilagem, sem que ações protetivas da população indígena e igualmente ambientais sejam adotadas pelo governo federal e, particularmente, pela Funai. Trata-se, na verdade, de uma reedição de atos já tornados patentes pela ABA, em nota publicada em novembro de 2019, quando ao menos dois grupos técnicos foram então desconstituídos, e qualificados/as e experientes antropólogos/as foram substituídos/as por “antropólogos de confiança” da presidência do órgão, termos estes que teriam sido utilizados pelo órgão, segundo revelado em despacho assinado pelo Chefe de Gabinete da Presidência datado de 30 de outubro de 2019 e endereçado à Coordenadora-Geral de Identificação e Delimitação-CGID.
Cabe ressaltar, mais uma vez, que o “antropólogo” indicado para coordenar o GT de fato não é antropólogo; sua formação disciplinar se resume a um curso de “especialização” em antropologia, o que segundo a resolução sobre laudos antropológicos (relatórios técnicos e
perícias) desta Associação (parte inclusive de acordo de cooperação técnica da ABA com o MPF) é insuficiente para o exercício de um trabalho científico envolvendo estudos de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental necessários ao trabalho de identificação e delimitação de uma Terra Indígena. Documento mais extenso elaborado pela ABA em 2015, o Protocolo de Brasília: laudos antropológicos: condições para o exercício de um trabalho científico, detalha a complexidade das qualificações fundamentais para tal exercício.
Como pesquisadores e cidadãos, manifestamos nossa grande preocupação e nosso repúdio em relação à está situação. Entendemos ser urgente que o Ministério Público Federal (MPF) interceda em favor dos direitos estabelecidos deste povo indígena, e reconduza o processo de identificação e delimitação da Terra Indígena Piripkura a um correto e qualificado processo legal e antropológico. Nesses termos, vislumbramos como importante, pela delicadeza e complexidade da situação e pela vigência dos prazos, que nova portaria de restrição de uso seja publicada antes de setembro de 2021.
Brasília, 24 de junho de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA, sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI e Comitê de Laudos Antropológicos – CLA
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