A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto com o seu Comitê de Relações Internacionais (CRI) vêm a público externar a sua preocupação com os atos de violência do governo iraniano em face à mais recente onda de manifestações e protestos pacíficos que vêm acontecendo no Irã. Os protestos se intensificaram no dia 16 de setembro, quando a jovem iraniana de origem curda Mahsa Amini (22) morreu sob a custódia das autoridades iranianas. Amini foi presa no dia 13 de setembro pela “Polícia da Moralidade” em Teerã por estar, supostamente, usando o véu islâmico (hijab) de forma inadequada e, segundo relatos de testemunhas oculares, foi seguidamente espancada, pelo que entrou em coma e morreu no hospital.
No Irã, o uso do véu em público é obrigatório por lei e deve obedecer a determinadas regras de cobertura (cobrir o pescoço e todo o cabelo), que são materializadas no chador, a forma tradicional de hijab no Irã. No entanto, enquanto o chador é promovido pelo discurso oficial como “o melhor hijab” e adotado de modo voluntário por muitas mulheres, diversas formas de cobertura (tamanhos, larguras, amarrações e cores) que desafiam o modelo oficial e mostram, mais ou menos, o cabelo também são comuns. A reação do governo iraniano ao “hijab impróprio” pode tomar diversas formas de persuasão e punição, o que inclui a detenção e o aprisionamento.
A revolta pela morte de Amini tem expandido a onda de protestos por todo o país e contado com grandes contingentes, principalmente, estudantes de escolas e universidades. Os protestos tomaram a forma de um rechaço à política de uso compulsório do véu no Irã e as penalidades associadas ao não cumprimento da lei; no entanto, os descontentamentos e insatisfações são diversos e vão muito além da “questão do véu”. Os manifestantes lutam contra o autoritarismo e a restrição de liberdades, discriminações e injustiças e, ainda, o declínio da qualidade de vida decorrente da crise econômica. De acordo com a mídia internacional, mais de 200 pessoas já foram mortas pelas autoridades iranianas, incluindo cerca de 32 menores de idade. Os números mostram também que mais de 12.500 pessoas foram presas em 114 cidades.
Os protestos se espalharam por diversos países da Europa e América do Norte, principalmente em cidades com forte presença da diáspora iraniana, como Paris, Los Angeles e Toronto, onde mulheres iranianas tomaram a frente das manifestações. Houve também uma manifestação em São Paulo, organizada por imigrantes e refugiadas iranianas residentes no Brasil.
É importante frisar que mulheres iranianas e de origem iraniana de diferentes identidades religiosas e étnicas participam dos protestos, incluindo muçulmanas. Mais importante, os protestos não são anti-islã, mas sim uma resposta à política autoritária da República Islâmica do Irã e à imposição da sua visão particular do islã como política de Estado. Esses protestos se inserem na tradição de luta contra regimes autoritários e governos opressores na região, a qual inclui a própria Revolução Iraniana de 1979, as “Revoluções Árabes” dos últimos 10 anos e as décadas de luta dos palestinos contra a opressão colonial e o regime de apartheid imposto a eles por Israel. Assim, esperamos que o governo iraniano abandone as táticas repressivas em prol de uma solução política que leve em conta as demandas expressas nos protestos.
Brasília, 25 de outubro de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê de Relações Internacionais (CRI)