A ABA e seu Comitê Quilombos vêm a público manifestar repúdio ao violento atentado sofrido pela comunidade quilombola Baú, quando homens armados invadiram a comunidade, disparando tiros contra casas de várias famílias, bloqueando estradas de acesso e disseminando pavor e insegurança em toda a comunidade.
Importante registrar que este grave atentado ocorreu no dia 11 de novembro de 2024, alguns dias após a comunidade e movimentos sociais apoiadores do quilombo denunciarem às autoridades públicas responsáveis pelas ameaças e eventos de violência que têm colocado em risco a integridade das famílias quilombolas do Baú.
O Quilombo Baú foi certificado em 29 de junho de 2008 como Remanescente de Quilombos pela Fundação Cultural Palmares e se constitui a partir da descendência de Antônio Gonçalves Galvão e sua companheira Generosa, que se estabeleceram na localidade em meados do século XIX, fugidos da escravidão no Serro. O nome da família remonta ao que seria ofício do patriarca Antônio Baú, a confecção de baús de madeira entalhada, prática ainda mantida pelos mais velhos da comunidade. Antônio e Generosa ocuparam uma posição central na fundação da comunidade, seus ensinamentos e saberes ancestrais ligados ao manejo e defesa do território foram perpetuados, mesmo diante de diversas violências e ataques, bem como a processos recentes de imposição de sistemas de trabalho análogo a escravidão por parte das elites regionais.
A violência perpetrada contra os direitos desta comunidade quilombola, portanto, vêm de longa data, mas intensificou-se com o andamento do processo de regularização fundiária das terras quilombolas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Aos 27 de novembro de 2023, foi publicado no Diário Oficial da União – DOU o extrato do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Quilombo Baú, e aos 13 de setembro de 2024, foi publicado no DOU o Edital de Notificação do INCRA/MG aos ocupantes ou confrontantes nominais da área pleiteada pela comunidade quilombola de Baú, para apresentarem suas contestações (impugnações) ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
O líder do quilombo, o senhor Antônio Cosme das Neves, desde 2014, foi obrigado a integrar o Programa de Proteção aos(às) Defensores(as) de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH/MG), diante das sistemáticas e graves ameaças de morte. O seu Antônio não é o único a integrar o Programa de Proteção diante de tantas ameaças à vida de famílias quilombolas. Atualmente, mais de 19 lideranças quilombolas, de 15 comunidades remanescentes de quilombos do estado de Minas Gerais encontram-se neste programa. Com os avanços no processo de reconhecimento do território da comunidade, intensificaram-se as perseguições e violências perpetradas pelos antagonistas.
Estes eventos horrendos de violência generalizada contra as comunidades quilombolas e suas lideranças estão diretamente ligados à ausência e/ou morosidade dos processos de regularização fundiária pelo INCRA. Sabe-se que a titulação dos territórios quilombolas é o instrumento mais eficaz de proteção à vida destas pessoas e das comunidades quilombolas. Em Minas Gerais, apenas 2 comunidades quilombolas receberam a titulação parcial do território, em mais de 20 anos de implementação do Decreto 4.887/2023, nenhuma comunidade quilombola deste estado recebeu a titulação plena do território pelo Estado brasileiro (ver https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/Acompanhamento_dos_processos_de_regularizacao_quilombola_15.10.2024.pdf).
A demora no processo de titulação do território quilombola de Baú tem favorecido o avanço de grandes empreendimentos e deixado as comunidades em condições de extrema vulnerabilidade, com enfrentamento de múltiplas violências, como ameaças, agressões e criminalizações. Atualmente a situação tem se agravado com a entrada da mineração de lítio e vários pedidos de pesquisa do mineral no território delimitado do quilombo de Baú.
Diante desta grave situação, a ABA solicita aos poderes públicos competentes:
- A imediata apuração rigorosa dos graves eventos ocorridos no dia 11 de novembro, com a devida identificação e punição dos responsáveis pelos crimes cometidos contra a comunidade;
- A promoção de ações de proteção às famílias do quilombo de Baú, para reestabelecer minimamente a segurança na comunidade;
- A imediata proteção por destacamentos da Polícia Federal, para inibir ataques e violências dos antagonistas;
- A imediata titulação do território do Baú pelo INCRA, como mecanismo eficaz de combate aos conflitos territoriais e de defesa dos direitos humanos fundamentais.
Brasília, 13 de novembro de 2024.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Quilombos
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