Manifestação em defesa do território quilombola São Roque (SC) diante da privatização dos parques “Aparados da Serra” e “Serra Geral”

O Comitê Quilombos da ABA vem a público manifestar apoio em relação à defesa dos direitos da Comunidade quilombola São Roque (SC) diante da licitação, ocorrida no último dia 11 de janeiro que concedeu à iniciativa privada a gestão dos Parques “Aparados da Serra” e “Serra Geral”, localizados na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul em sobreposição ao território tradicional da comunidade. Esta licitação ocorreu sem a participação da comunidade, portanto, em desacordo com as garantias da Constituição Federal de 1988 e da Convenção 169 da OIT.

Os quilombolas de São Roque estão presentes na comunidade a mais de duzentos anos, lutando de forma permanente pelo reconhecimento dos seus direitos. Em 2004 teve sua auto identificação certificada pela Fundação Cultural Palmares. Em 2005, por meio do Convênio INCRA/UFSC, foi realizado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), indicando que parte do território da comunidade foi afetada pela criação dos PARNAS “Aparados da Serra” e “Serra Geral”. Além dos estudos do RTID, a partir de 2006 a comunidade passou a integrar o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), realizado pelo IPHAN/SC. Ao enfocar as noções de patrimônio e bens culturais, o INRC, demonstrou a profundidade histórica e cultural da relação dos quilombolas com o território através da referência aos sobrenaturais da mata, caminhos, ruínas, práticas de manejo e divisão familiar do território ao longo das grotas que formam a acidentada topografia local.

Em 2007, a conclusão dos trabalhos técnicos do INCRA confirmou que o Território Quilombola São Roque é formado por uma a área de 7.327,6941 hectares, sendo 2.668,8218 sobrepostos aos PARNAS. Em 2008 a disputa entre INCRA e ICMBio foi levada à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Desde então, sem uma solução definitiva, a comunidade sofre com omissões, ataques e ameaças a sua presença nas terras que sempre ocuparam. Ainda que tenham sido mobilizados esforços institucionais, as tentativas de construir Termos de Ajustamento de Conduta não tiveram sucesso. Mesmo com a publicação da Portaria INCRA nº 1.483, de setembro de 2018, que reconhece e declara os 7.327,6941 hectares como terras do Território Quilombola São Roque, a comunidade seguiu afastada das discussões sobre os planos de manejo e não ocupou assentos no comitê gestor dos PARNAS. Trata-se de uma atualização dos sentidos históricos da exclusão e marginalidade, formas contemporâneas de racismo institucional.

Considerando os direitos territoriais e culturais da comunidade São Roque, reconhecendo a importância da trajetória histórica desta comunidade para a manutenção da diversidade socioambiental e preocupados com a reprodução de formas de exclusão dos quilombolas na gestão privada das Unidades de Conservação, o Comitê Quilombo da ABA se manifesta em favor do reconhecimento dos direitos territoriais, do respeito à legislação nacional e à construção de diálogos interinstitucionais que garantam a participação da comunidade nas discussões, nos planejamentos e nas ações desenvolvidas no interior e entorno de seu território tradicional.

Brasília, 18 de janeiro de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Quilombos

Leia aqui a nota em PDF.

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