Manifestação sobre o avanço no licenciamento de mineração e as ameaças aos direitos quilombolas e o patrimônio cultural tombado do Serro, em Minas Gerais

A Associação Brasileira de Antropologia solicitou ontem, 24 de agosto de 2022, junto à Superintendência Regional de Meio Ambiente – Supram Jequitinhonha, a suspensão imediata dos trâmites do processo de licenciamento do “Projeto Serro”, da Conemp Mineração, pertencente ao Grupo Herculano Mineração, que incide em Serro (MG), município em que estão localizadas seis comunidades remanescentes de quilombo, e que conta com um incomensurável patrimônio cultural, material e imaterial, incluindo o primeiro conjunto urbano tombado como patrimônio histórico no Brasil.

Com os estudos ambientais protocolados junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente em maio de 2022, a Supram Jequitinhonha havia convocado para a referida data, às 18 horas, uma audiência pública, evento obrigatório para dar continuidade ao licenciamento, desconhecendo o direito à consulta livre, prévia e informada da comunidade quilombola de Queimadas, que será diretamente afetada pelo empreendimento. Tampouco constavam do processo manifestações abalizadas de órgãos responsáveis pelo acautelamento do patrimônio cultural, como o IPHAN, que ainda não procedeu à análise do relatório de impacto sobre o patrimônio cultural. A audiência, portanto, além de não cumprir o objetivo de subsidiar devidamente o debate público, violaria direitos étnicos e culturais assegurados no arcabouço jurídico brasileiro.

No ofício encaminhado na data de ontem, a ABA reiterou as conclusões do “Parecer Técnico sobre o Projeto de Mineração no Serro – MG“, elaborado em 2021, considerando que, a despeito dos estudos ambientais apresentados pela Herculano em 2022, permanecem não sanados gravíssimos problemas já identificados naquele parecer. A ABA reforça a importância das recomendações então feitas no parecer, em especial:

  • O respeito ao direito de Consultas livres, prévias e informadas, conforme preconiza a Convenção 169 da OIT, respeitando as dinâmicas e os termos propostos pelas próprias comunidades quilombolas e tradicionais, assegurando os direitos de acesso à informação e à participação nos processos decisórios que implicam transformações em seus modos de vida;
  • A elaboração, para além do EIA-RIMA, de estudos complementares necessários para o dimensionamento dos impactos, com destaque para o Estudo do Componente Quilombola – ECQ da comunidade de Queimadas;
  • A avaliação cuidadosa, por parte dos órgãos competentes, com destaque para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, acerca dos impactos que decorrerão do empreendimento para o diverso e rico conjunto de manifestações e bens constitutivos do Patrimônio Cultural, existente no município do Serro;
  • A elaboração de estudos de impacto ambiental que considerem impactos cumulativos e sinérgicos dos vários empreendimentos em operação e pretendidos para a bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio;
  • A paralisação dos pedidos de outorga de água antes da apresentação detalhada dos estudos de impacto sobre os recursos hídricos e sobre os usos da água pelas comunidades da região pelo IGAM.
  • A anulação da anuência concedida pelo CODEMA-Serro ao empreendimento, devido à constatação de irregularidades.

Ao final do dia, a Associação foi informada do cancelamento da audiência pública, em razão de decisões judiciais que acataram argumentações da Federação das Comunidades Quilmbolas de Minas Gerais – N’Golo, do Instituto Guaicuy e do Ministério Público de Minas Gerais. Tais decisões reconheceram, entre outras irregularidades, que o licenciamento não poderia prosseguir em face dos questionamentos judiciais à anuência do CODEMA ao empreendimento e da ausência de consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas que serão afetadas.

A ABA parabeniza a Federação N’Golo e demais instituições e movimentos sociais presentes no Serro por essas importantes vitórias na defesa dos direitos étnicos e culturais. A Associação espera que as autoridades ambientais e o Judiciário permaneçam atentos e tomem todas as medidas cabíveis para que a proteção do patrimônio cultural e os direitos das comunidades quilombolas sejam efetivamente observados, conforme assegura a Constituição Federal de 1988 e convenções internacionais assinadas pelo Brasil.

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