Nós, integrantes do Comitê de Antropólogas/os Negras/os da Associação Brasileira de Antropologia, manifestamos publicamente total repúdio ao conteúdo publicado pela Fundação Cultural Palmares em sua página e também em suas redes sociais, neste 13 de maio. O conteúdo ali expresso desconsidera, ignora e silencia violentamente toda luta social e política da população negra, ao longo de mais cinco séculos na sociedade brasileira. O conteúdo ainda lembra e reverencia uma figura, uma princesa imperial, do passado colonial e escravista, em uma tentativa de glorificar um ato – a abolição da escravatura – que não foi mérito e nem benevolência do estado brasileiro, mas resultado de resistência negra. Não bastasse, o conteúdo tenta deslegitimar e desmoralizar Zumbi dos Palmares, liderança negra legitimamente reconhecida por sua luta contra a escravidão. Importante recordar que o Brasil foi o último país do mundo a abolir o sistema escravocrata e fundamental é o entendimento de que a abolição da escravidão somente ocorreu em decorrência das pressões e das lutas abolicionistas que foram perpetradas por pessoas negras. Há que se ressaltar também a importância das pressões econômicas internacionais para que a abolição acontecesse neste país. Esse feito tardio é consequência das profundas e perversas desigualdades raciais, políticas e econômicas entre pessoas negras e brancas, o que caracteriza o país desde o período colonial. Além de tardia, a abolição é também incompleta, isto porque não houve previsão, ou esforços, de nenhuma forma de reparação, tampouco de integração cidadã da população negra na sociedade brasileira, após o fim do sistema escravocrata. O que se verificou, de fato, após sancionada a Lei Áurea, em 1888, foi a perpetuação de um sistema cruelmente desigual e racista. Vale a pena asseverar que o racismo no Brasil se efetiva, sobretudo, por tentativas de distorção histórica e também pela lógica do desprezo. Desprezo que está sendo mais uma vez acionado politicamente, por meio do conteúdo publicado pela Fundação Cultural Palmares neste 13 de maio, que não reconhece as pessoas, as lideranças, as heroínas e os heróis que construíram e sustentaram esta nação que hoje chamamos de Brasil.
Brasília, 14 de maio de 2020.
Comitê de Antropólogas/os Negras/os da Associação Brasileira de Antropologia – ABA
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