A Associação Brasileira de Antropologia, por meio de seu Comitê de Antropologia Visual, manifesta seu pesar diante do incêndio que, no dia 29 de julho, atingiu a Cinemateca Brasileira. Localizada na capital paulistana, no bairro de Vila Leopoldina, a instituição é detentora de arquivo audiovisual e textual de valor incalculável para a memória do cinema brasileiro.
Sua história é também memorável. Ainda que tenha sido oficialmente instituída apenas em 1956, a Cinemateca tem como embrião o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, fundado nesta capital, em 1941. Seus articuladores englobam importantes figuras do pensamento social brasileiro como o historiador e ensaísta Paulo Emílio Sales Gomes, o cientista social e crítico teatral Décio de Almeida Prado e o sociólogo e crítico literário Antonio Candido de Mello e Souza, dentre outros, cujos objetivos eram refletir sobre o cinema e questões político-sociais latentes por meio de projeções, conferências, debates e publicações.
Como a história mais ampla da Cinemateca Brasileira deixa claro, as artes em geral e o cinema em particular são elementos decisivos de constituição de uma sociedade democrática e plural. É através de suas artes que um povo não apenas expressa seus valores, mas os constrói e transforma de forma que o próprio acervo queimado da instituição é uma parte de Brasil perdido.
O fato de enlutarmos este que é o quinto incêndio na instituição, apenas demonstra o descaso com que distintos governos têm tratado as artes e o conhecimento no Brasil. Mal nos recuperamos do incêndio do Museu da Língua Portuguesa, no dia 21 de dezembro de 2015. E, de forma ainda mais pungente, do dano irrecuperável à humanidade ocorrido no dia 02 de setembro de 2018 quando chamas transformaram significativa parte do Museu Nacional em cinzas.
Na Cinemateca Brasileira, há inestimáveis arquivos sobre arte e cultura no Brasil. Para ficar em alguns exemplos, lá estão as gravações de Marechal Rondon sobre as Forças Expedicionárias Brasileiras, assim como todo o acervo de Glauber Rocha, nome inescapável do cinema mundial e principal expoente do Cinema Novo brasileiro. Também são guardadas na Cinemateca importantes documentos sobre as políticas públicas no cinema brasileiro, constituindo decisivo acervo sobre nossa história cultural e política.
Ressaltamos a importância dos acervos, da própria Cinemateca e sua relação com a comunidade que trabalha com e reflete sobre o Audiovisual, na construção de futuros que contemplem a diversidade brasileira e que competem a todos/as nós.
Solidarizamo-nos com todos/as os/as funcionários/as da instituição que já sofria processo de precarização e se encontrava fechada desde agosto de 2020. Em manifesto lançado no mês posterior, dia 12 de abril, referidos/as funcionários/as já haviam alertado publicamente sobre a possibilidade de que outro incêndio incidisse sobre a Cinemateca, além de outras questões pertinentes de serem observadas e reivindicadas.
Fazemos eco às suas preocupações e nos somamos a outras entidades no pedido de investigação sobre o ocorrido, de maneira que nosso patrimônio artístico e cultural brasileiro não siga sendo depreciado e destruído. O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) já havia aberto processo contra a União quando da enchente que, no ano passado, alagou as dependências da instituição, ameaçando novamente seu acervo. Rogamos às instituições cabíveis que apurem o ocorrido e possam dar prosseguimento a seu incansável trabalho na atenção e na defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade brasileira.
Brasília, 03 de agosto de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê de Antropologia Visual – CAV
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