O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar sua profunda preocupação pela forma como vem sendo conduzido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) o licenciamento ambiental da fábrica de cerveja do grupo Heineken no município de Pedro Leopoldo. Trata-se da implantação de um megaempreendimento em uma Área de Proteção Ambiental Federal, denominada Carste de Lagoa Santa, regulamentada através do Decreto 98.881 de 25 de janeiro de 1990. A APA está inserida em uma região especial do ponto de vista geológico e ambiental, onde há sítios arqueológicos considerados de altíssima relevância, reconhecidos tanto nacional como internacionalmente. De fato, como apontam diversos pesquisadores, a relevância da região para a história da humanidade é reconhecida desde o século XIX, quando as explorações de Peter Lund revelaram a incidência de fósseis humanos e de exemplares da megafauna (BAETA, PROUS, SALES, 2021). Está próximo ao empreendimento, o conjunto de cavidades da Lapa Vermelha, sítio arqueológico no qual foi localizada, em 1975, a “Luzia”, considerado o esqueleto humano mais antigo já descoberto no Continente Americano.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio-MG), através da Nota Técnica ICMBio n. 14, de 05 de agosto de 2021, apontou graves erros no licenciamento ambiental do empreendimento, como a insuficiência dos estudos ambientais apresentados, que não teriam dimensionado danos ambientais e graves riscos para o patrimônio espeleológico e arqueológico da região. A produção projetada de 760 milhões de litros de cerveja anuais prevê uma intensa captação de água subterrânea (310 m3 por hora), com alto potencial de impactos no complexo de cavidades do Carste, incluindo o sítio da Lapa Vermelha, além de riscos à bacia do córrego Samambaia.
Cumpre ressaltar que nem o ICMBio, órgão gestor da APA/Carste de Lagoa Santa, nem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, instituição responsável pela proteção ao patrimônio arqueológico brasileiro, foram convocados a participarem, como órgãos intervenientes, no processo de licenciamento. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), tampouco constou do licenciamento a anuência prévia do Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão gestor do Monumento Natural Estadual da Lapa Vermelha, apesar da grande proximidade do empreendimento dessa unidade de conservação. O licenciamento ambiental, sob a premissa equivocada da ausência de alto potencial de danos, foi realizado de forma simplificada sob a modalidade LAC2, que, na legislação ambiental do estado de Minas Gerais, prevê a concessão concomitante de duas licenças ambientais, neste caso, as licenças prévia e de instalação. Observa-se, neste caso, como a simplificação procedimental do licenciamento vem promovendo a celeridade como valor primordial, a despeito dos princípios da prevenção e da precaução, e da ameaça de danos irreversíveis ao meio ambiente e a um patrimônio arqueológico de valor incomensurável.
O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) considera que o acesso ao meio ambiente equilibrado e ao patrimônio arqueológico é direito de todos, incluindo as futuras gerações. Neste sentido, reivindicamos a revogação das licenças concedidas e instamos não só a apuração de todas as ilegalidades e omissões cometidas no curso desse licenciamento, como a atuação firme dos órgãos responsáveis pela promoção e defesa do meio ambiente e do patrimônio arqueológico e cultural brasileiro.
Brasília, 19 de outubro de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos
Leia aqui a nota em PDF.