A Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia (CDH/ABA) vem a público manifestar repúdio à operação policial realizada nesse 6 de maio de 2021, na comunidade de Jacarezinho, zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Até o momento dessa Nota, foi informada a morte de 25 pessoas, além de terem sido registradas e denunciadas pessoas baleadas, invasões de casas e arrombamento de portas. Pelos seus resultados, a operação se constitui como a maior chacina ocorrida no Rio de Janeiro por policiais em serviço. A denominada operação “Exceptis” foi realizada sob coordenação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com apoio de outras unidades do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento-Geral de Polícia da Capital (DGPC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), mobilizando recursos extraordinários da Polícia Civil.
É preciso ressaltar que a operação se desenvolve no contexto da pandemia Covid-19 e especificamente na vigência da ADPF 635 através da qual o do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, desde o dia 05 de junho de 2020, a suspensão das operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. Elas só poderiam ser realizadas em casos absolutamente “excepcionais” e mediante comunicação ao Ministério Público. De forma única na história do país, o STF convocou para os dias 16 e 19 de abril uma audiência pública para ouvir organizações da sociedade civil, movimentos sociais, familiares de vítimas de violência de estado, pesquisadores e representantes de órgãos do estado. O objetivo declarado da liminar do STF é a preservação da vida e, nesse sentido, as ações da agências da Segurança Públicas são obrigadas a se adequar a esse objetivo prioritário da ordem constitucional e do estado democrático de direito.
Contudo, é gritante o desrespeito brutal da decisão do STF na operação no Jacarezinho. Em pleno horário de trabalho, de circulação de moradores da comunidade e de cumprimento de medidas de prevenção da pandemia, os agentes de segurança expuseram os moradores – homens, mulheres e crianças – à mais brutal das ações já registradas no campo da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.
Não se trata da única operação realizada em vigência dessa liminar. Pelo contrário, operações com resultados letais têm sido registradas por moradores e movimentos sociais durante todo o período. Durante o ano de 2020, foram registradas 1.239 pessoas mortas por policiais fluminenses, uma média de 3 pessoas por dia. A repercussão e dimensão trágica da operação em Jacarezinho demonstra a não excepcionalidade e a produção sistemática de uma política de Segurança Pública sustentada e impulsionada pela repressão, o racismo e a morte. É a exceção que confirma a regra.
Dianto do ocorrido no Jacarezinho, subscrevendo às demandas manifestadas pelo Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal da ABA, em Nota publicada no dia 6 de maio, a Comissão de Direitos Humanos da ABA exige:
– Ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, garantir a investigação célere, independente e eficaz dos fatos, com a participação de órgãos de perícia independentes e autônomos.
– Ao Governador do Estado do Rio de Janeiro, a suspensão das operações policiais de acoro com o cumprimento estrito da ADPF 635.
Por fim, expressa sua solidariedade com todos os moradores do Jacarezinho e familiares das vítimas.
Brasília, 07 de maio de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e sua Comissão de Direitos Humanos
Leia aqui a nota em PDF.