A Associação Brasileira de Antropologia, através da sua Comissão de Assuntos Indígenas, vem a público manifestar profunda preocupação no tocante a ações contra o povo Kalankó, que encontra-se ameaçado em sua integridade física e cultural. Há um recrudescimento de intimidações e coações a suas lideranças e ao Grupo de Trabalho da Funai, instituído para realizar os estudos de identificação e delimitação de seu território.
Os Kalankó constituem um povo indígena de cerca de 700 pessoas, cujo território se localiza no alto sertão alagoano, entre os municípios de Água Branca e Mata Grande. Possuem relações de parentesco com os Katokinn, Karuazu, Koiupanká e Jiripankó, povos da mesma região e que são todos descendentes dos Pankararu de Pernambuco. Eles vivem em região da caatinga, que a cada ano se degrada diante do aumento de ocupantes não indígenas em seu território. A presença de não indígenas tem provocado desmatamento e ameaças à possibilidade de soberania alimentar, vida digna e futuro para os indígenas.
Desde os anos 2000 os Kalankó se mobilizam, em níveis local e nacional, para terem garantidos os seus direitos territoriais e poderem viver com segurança e dignidade, tendo respeitados o seu modo de vida, o trabalho na agricultura familiar e o seu conhecimento sobre o bioma da caatinga e o mundo.
No ano de 2011, atendendo à reivindicação indígena, a FUNAI criou um GT, coordenado por antropólogo filiado à ABA, e integrado também por outros profissionais especializados, para a elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), documento fundamental para o processo de demarcação territorial, previsto constitucionalmente.
A relação entre posseiros e a população indígena sempre foi tensa localmente e, a cada ano que o território passa sem ser demarcado, os conflitos se intensificam. Neste ano de 2023, foram retomados os trabalhos de identificação e delimitação da terra indígena, a primeira das fases do processo demarcatório. Esta etapa do GT-FUNAI foi realizada no fim do mês de agosto e encontrou um ambiente de profunda tensão, com a vida das principais lideranças Kalankó ameaçadas e membros da comunidade sendo assediados por não indígenas.
Diante do clima de ameaças e de intimidações, os trabalhos do GT tiveram que ser interrompidos, com mensagens agressivas sendo enviadas em redes sociais para as lideranças indígenas, e com um trânsito de veículos estranhos em frente às suas casas. O próprio coordenador regional da FUNAI realizou denúncia e apelo públicos às autoridades da segurança pública estadual e federal, com relação à situação reinante de insegurança.
Diversos órgãos já têm se manifestado sobre o caso, incluindo o Conselho Universitário da Universidade Federal de Alagoas, sendo instaurado um inquérito pela Polícia Federal (https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2023/09/06/indigenas-kalanko-de-agua-branca-al-denunciam-ameacas-durante-processo-de-delimitacao-de-terras.ghtml).
No atual contexto de retomada da normalidade institucional no Brasil, se faz urgente a proteção das vidas e da integridade física dos povos indígenas, de suas lideranças e dos servidores públicos dedicados à atuação constitucional da FUNAI, na garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas. A ABA soma-se às manifestações em apoio aos direitos dos Kalankó e à segurança do GT da FUNAI, e apela às autoridades responsáveis, em especial ao MJ, MPI e MPF (através da sua Sexta Câmara), para que haja a devida apuração dos fatos e a proteção às pessoas e comunidades ameaçadas.
Brasília, 25 de setembro de 2023.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI)
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