Vimos a público externar grande preocupação e indignação com a notícia de que, mais uma vez, o Presidente da Funai denunciou à Polícia Federal indígenas, servidores e indigenistas que atuam na proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no país. Essa prática de criminalização é o modus operandi de uma gestão que se instaurou desde o início do Governo Bolsonaro e que não nega sua origem e aura policialesca.
Essa conjuntura autoritária ganhou novos contornos no dia 12 de maio de 2021, com a abertura de inquérito policial, a partir de denúncia feita pela própria Funai, para averiguar suposta ilegalidade na atuação de servidores, de uma organização indígena e de um indigenista, no processo de licenciamento ambiental da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista (conhecida como “Linhão”), que corta a Terra Indígena (TI) Waimiri-Atroari, situada nos estados do Amazonas e de Roraima. Ao acionar a Polícia Federal e lançar suspeitas criminais sobre servidores, indígenas e seus aliados, a gestão da Funai demonstra claramente a que veio: servir aos interesses de grandes empresas e de setores
notadamente anti-indígenas.
A instauração de um inquérito policial dessa natureza se configura, ainda, uma afronta à história recente dos Waimiri-Atroari, que, apesar da enorme resistência, viram seu povo quase ser dizimado em período recente da história brasileira, entre os anos 70 e 80, durante a ditadura militar, por meio do processo de instalação de outro projeto de desenvolvimento – a BR-174 – que atravessou seu território tradicional. Os Waimiri-Atroari ainda enfrentaram – e enfrentam até hoje – os problemas oriundos da instalação de uma empresa de mineração em suas terras e o alagamento de parte do seu território em decorrência da construção da hidrelétrica de Balbina. A experiência dos Waimiri-Atroari, assim como de muitos outros povos indígenas no Brasil, com projetos de desenvolvimento que afetam seus territórios, é traumática – o que, por si só, explica seus temores com o projeto do Linhão.
Ressalte-se que é direito desses povos, e dever do órgão indigenista, o respeito ao que preconiza a Convenção 169 da OIT, ratificada no Brasil, no que se refere aos mecanismos de consulta livre, prévia e informada, além do protagonismo dos povos indígenas e tribais em processos decisórios sobre quaisquer projetos ou empreendimentos que afetem seus territórios e povos.
Estamos vivendo um estado de exceção dentro do órgão indigenista oficial, em que a defesa dos direitos indígenas, atribuição do órgão, garantida pela autonomia de seu corpo técnico, convertem-se em seu contrário: perseguição e intimidação de servidores. O cerceamento ao trabalho de servidores em defesa dos povos indígenas, identificados como contrários aos interesses da atual direção da Funai ou do Governo Federal, representam a institucionalização de práticas de assédio por meio de diversas formas de intimidação e agravam-se com as denúncias de servidores da Funai e indígenas à Polícia Federal, realizadas pela própria Presidência do órgão.
Essa conduta persecutória fica bem caracterizada na manifestação da Procuradoria da República no Amazonas pelo arquivamento do inquérito policial do Linhão, em que observa que a representação da Presidência da Funai adiciona investigação criminal como “componente de pressão política nas negociações do Plano Básico Ambiental – Componente Indígena do Linhão de Tucuruí”, quando o interesse do órgão indigenista oficial deveria ser justamente garantir o respeito a todos os protocolos estabelecidos pela comunidade indígena, de modo a promover e proteger os seus direitos no âmbito do processo de licenciamento ambiental. A peça do MPF demonstra, inclusive, a necessidade de que seja averiguado se houve, da parte da gestão da Funai, a prática de improbidade administrativa e de abuso de autoridade.
Importa lembrar que esta não é a primeira vez que manifestações técnicas de servidores e a atuação de indígenas em defesa de seus direitos são convertidas em “casos de polícia” pela nova gestão do órgão indigenista; e essa prática não pode, sob hipótese alguma, ser normalizada ou ocultada. Lembramos dois casos recentes de inquéritos policiais abertos a pedido da Funai: um contra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a líder indígena Sônia Guajajara e outro contra o líder Almir Suruí, inquéritos que já foram arquivados por falta de elementos mínimos, demonstrando o caráter persecutório e intimidatório da denúncia realizada pelo próprio órgão indigenista contra os indígenas.
Diante dessa situação absurda, em que a Presidência do órgão indigenista passou a atuar reiteradamente contra os direitos de indígenas e dos próprios servidores, nos solidarizamos com os servidores, indígenas e indigenistas que são alvos dessas investidas e nos posicionamos terminantemente contra qualquer tentativa de intimidação a servidores, bem como de afronta aos direitos indígenas à autonomia e às formas apropriadas de consulta sobre projetos e empreendimentos que afetem seus territórios e suas vidas.
Brasil, 11 de junho de 2021.
Assinam esta Nota as organizações, entidades e os movimentos abaixo listados:
- Sindicato Intermunicipal dos Servidores Públicos Federais dos Municípios do Rio de Janeiro – SINDISEP/RJ
- Indigenistas Associados – INA
- Aldeia Marakanã Rexiste
- Amazon Rebellion (Reino Unido)
- Articulação das CPT’s da Amazônia
- Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB Rio
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
- Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão – Coapima
- Asociación Cultural Brasileña Maloka (Espanha)
- Associação Brasileira de Antropologia – ABA
- Associação Brasileira de Gestão Cultural – ABGC
- Associação Brasileira do Combate ao Lixo Marinho – ABLM
- Associação Círculo Laranja
- Associação da Comunidade Indígena Kanela do Araguaia – ACIKAN
- Associação das Comunidades de Montanha e Mangabal
- Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais na Bahia – AATR/BA
- Associação de Servidores da Biblioteca Nacional – ASBN
- Associação de Servidores do Ibama e ICMBio no Acre – Asibama/AC
- Associação dos Arquivistas da Bahia – AABA
- Associação dos Arquivistas do Estado do Espírito Santo – AARQES
- Associação dos Arquivistas do Estado do Rio Grande do Sul – AARS
- Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro – AERJ
- Associação dos Funcionários do INPI – AFINPI
- Associação dos Povos Indígenas Negarote e Tamandu – Apineta
- Associação dos Retireiros do Araguaia – ARA
- Associação dos Servidores da Cultura – AsMinC
- Associação dos Servidores do Ibama em Santa Catarina – Asibama/SC
- Associação dos Servidores do Incra no Estado do Rio de Janeiro – Assincra
- Associação dos Servidores do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea – Afipea-Sindical
- Associação dos Servidores do Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Militar – ASEMPT
- Associação dos Servidores do Proderj – ASCPDERJ
- Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro – Asibama/RJ
- Associação dos Servidores Públicos Federais Agrários – CNASI-AN
- Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento Políticas Sociais – Andeps
- Associação Nacional de História – ANPUH
- Associação Nacional de História Seção Regional do Rio de Janeiro – ANPUH/Rio
- Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente – Ascema Nacional
- Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente (Pecma) em São Paulo – Ascema/SP
- Associação dos Servidores da Carreira de Meio Ambiente no Rio Grande do Norte – Ascema/RN
- Associação Pastana Yudja Juruna do Xingu – APYJX
- Central Única da Família Indígena Terena de Mato Grosso – Cufain
- Central Única dos Trabalhadores – CUT
- Centro de Direitos Humanos de Porto Nacional em Tocantins – CDHPN/TO
- Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido – Ufersa
- Centro de Trabalho Indigenista – CTI
- Centro de Yoga e Meditação Ananda Marga/DF
- Cineclube Marighella
- Colectivo ALMA – África y Latinoamérica en Mallorca (Espanha)
- Coletivo À Esquerda da Praça/RJ
- Coletivo Amsterdam pela Democracia no Brasil
- Coletivo Antroposofia e Política
- Coletivo de Educadores Classistas da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB/RJ
- Coletivo Mulheres Insubmissas da Universidade do Estado da Bahia – Uneb/Campus X
- Coletivo Mururu/Rede (CO)Vida – Rede de mapeamento da pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas no Maranhão
- Coletivo pelos Direitos no Brasil em Madri (Espanha)
- Coletivo RessurGentes
- Collectif Alerte France Brésil / MD18 (França)
- Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas – Ceddindigenas OAB-DF
- Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro – CDSIS-OAB/RJ
- Comissão Pró Índio do Acre – CPI/AC
- Comitê de Luta Contra as Privatizações
- Comitê Italiano Lula livre (Itália)
- Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – CONDSEF
- Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania do Rio Grande do Norte – COEDHUCI/RN
- Conselho Geral da Tribo Ticuna – CGTT
- Democracy for BRASIL (Reino Unido)
- Federação dos Povos Indígenas do Pará – Fepipa
- Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Estado do Rio de Janeiro – FETAG/RJ
- Federação Nacional dos Estudantes no Ensino Médio – FENET
- Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
- Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro/RS
- Fórum de Mulheres do Espírito Santo/ES
- Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil – FNArq
- Frente Internacional Brasileira Contra o Golpe e pela Democracia – FIBRA
- Frente Parlamentar Mista do Serviço Público
- Frente Preta UK (Reino Unido)
- Gerar Consultoria Ambiental
- Grêmio Estudantil Síntese do Instituto Federal Fluminense – IFF Cabo Frio
- Grupo de Defesa Ecológica Pequena Semente
- Grupo de Pesquisa Cultura, Ambiente e Território da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – CAMTO/UFRB
- Grupo de Pesquisa em Conservação de Recursos Naturais de Uso Comum – GRUC/Unisul
- Grupo Marias de Extensão e Pesquisa em Gênero, Educação Popular e Acesso à Justiça da Universidade Federal da Paraíba – UFPB
- Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM/RJ
- Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora – IDII
- Instituto de Desenvolvimento Indígena – INDI
- Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
- Instituto de Pesquisa e Estudos em Justiça e Cidadania – IPEJUC
- Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Proprietas – INCT Proprietas
- Instituto Pé de Planta Desenvolvimento Biotecnológico, Humano e Ambiental
- International Rivers – Brasil
- Jornal Vias de Fato
- Lalin Produções
- Marcha Mundial por Justiça Climática / Marcha Mundial do Clima
- Movimento Baía Viva / RJ
- Movimento Bem Viver
- Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – Região dos Lagos/RJ
- Movimento de Mulheres Camponesas – MMC Brasil
- Movimento de Mulheres da Região dos Lagos – MMRL
- Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro – MIR
- Movimento Karaxuwanassu
- Movimento Nacional Contra Corrupção e pela Democracia – MNCCD
- Movimento Negro Perifa Zumbi
- Movimento Negro Unificado – MNU Nova Iguaçu/RJ
- Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
- Movimento Xingu Vivo Para Sempre
- Núcleo de Estudos de Populações Indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina – NEPI/UFSC
- Núcleo José do Patrocínio
- Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – OPI
- Observatório Indigenista
- ONG Floresta Viva
- Pública – Central do Servidor
- Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas – MAKIRA ËTA
- Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio de Janeiro – SARJ
- Sindicato dos Bancários de Brasília – SEEBB
- Sindicato dos Professores no Distrito Federal – SINPRO/DF
- Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Ceará – SindJustiça/CE
- Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal – SINDSEP/DF
- Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal Fluminense – SINTUFF
- Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do IFRJ – SINTIFRJ
- Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado do Pará – SINTSEP/PA
- Sindicato Nacional dos Gestores em Ciência e Tecnologia – SindGCT
- Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União, Seção SP – SINDMPU/SP
- Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE – ASSIBGE SN
- União Cabofriense dos Estudantes – UCE
- União Nacional dos Estudantes – UNE
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