A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio da sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), vem a público manifestar repúdio ao ato violento, racista e preconceituoso praticado pelo deputado estadual Jeferson Alves (do PTB de Roraima) contra os habitantes da Terra Indígena Waimiri-Atroari (povo Ki‘inja). Acompanhado por pessoas que o filmavam, este deputado utilizou-se de uma motosserra e um alicate para destruir o suporte de uma corrente e arrancá-la, sendo esta o meio de controle de acesso seletivo dos indígenas àquela terra, pela rodovia BR-174, no posto de vigilância em Jundiá. Em vídeo divulgado na grande mídia e nas redes sociais, citando o presidente Jair Bolsonaro e afirmando que este havia recebido 70 % dos votos do estado ao prometer a retirada de tal corrente, o deputado dizia aos brados: “Se depender de mim, nunca, nunca mais esta corrente vai deixar meu estado isolado”, e completava: “Presidente Bolsonaro, é por Roraima, pelo Brasil, não a favor dessas ONGs que maltratam meu estado”.
O ato do deputado, que deixou a área levando consigo a corrente, claramente incita à violência e ao racismo quando busca justificar suas ações pelo incentivo recebido do presidente da República e por meio de um discurso perverso e inverídico, o mesmo que é frequentemente veiculado na mídia roraimense. Trata-se este de afirmar que os indígenas representariam um entrave para o desenvolvimento do estado, representando um claro desrespeito aos direitos dos Waimiri-Atroari, reconhecidos pela Constituição e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Cabe ressaltar que o controle de acesso seletivo à Terra Indígena pela rodovia ao escurecer foi implementado desde a construção da via (nos anos de 1970) e é fundamental para proteger tanto as pessoas indígenas quanto os animais de hábitos noturnos, abundantes na Terra Indígena e que em suas andanças transitam também por esta estrada.
Com a construção da via, de uma população em torno de 3.000 pessoas na primeira metade do século XX, por epidemias e outras violências no ano de 1983 o povo Waimiri-Atroari foi reduzido a apenas 332 sobreviventes, voltando depois a crescer demograficamente, hoje contando com aproximadamente 2.000 indivíduos.
À construção da BR-174 somou-se, pelo Decreto Presidencial nº 86.630, de 23/ 11/81, a ocupação e o posterior desmembramento de aproximadamente 526.800 hectares de terra, em benefício da Mineração Taboca S.A, que veio a ocupar toda a parte norte da área desmembrada, com a chamada “Mina de Pitinga”. Já a parte sul foi inundada: a Eletronorte promoveu a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, numa área de 2928,5 km2 (Mapa da Influência Antrópica da Hidrelétrica de Balbina, CSR, lbama, Brasília, 1992). Toda a área desmembrada era território de ocupação tradicional dos Waimiri-Atroari. Ademais, desde o início dos anos 1980 o rio Alalaú, um dos principais desta Terra Indígena, está sendo poluído por detritos tóxicos da “Mina de Pitinga”, despejados em um de seus afluentes, o Igarapé Tiaraju.
Com tudo isso, nota-se, portanto, que o controle que os indígenas procuram manter é uma clara ação para sua auto-proteção.
Nesses termos, a Associação Brasileira de Antropologia tanto repudia veementemente o ato do referido deputado quanto almeja que os órgãos competentes tomem as medidas cabíveis relativas à salvaguarda dos Waimiri-Atroari bem como dos demais povos indígenas do Brasil que vêm sendo afetados em seus direitos.
Brasília, 02 de março de 2020.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI
Leia aqui a nota em PDF.