A Associação Brasileira de Antropologia e sua Comissão de Direitos Humanos repudiam o decreto número 9.288/2018, emitido na sexta-feira 16 de Fevereiro de 2018. Através desse instrumento, o presidente Michel Temer impôs a intervenção federal – militar do Estado do Rio de Janeiro. Em razão disso, um general do Exército brasileiro passou a comandar – planejar, decidir e agir- na segurança pública do Estado, sem a mediação, intervenção e/ou autorização de autoridades civis e/ou judiciais.
A ABA e sua CDH consideram tal decisão autoritária. Embora a intervenção federal esteja prevista na constituição, o decreto contraria o estado democrático de direito, pois em distintos aspectos desconsidera preceitos constitucionais. O estatuto da “intervenção federal” não prevê restrições a direitos fundamentais nem violação às regras da legislação estadual. A intervenção instaurada impôs a presença ostensiva e a atuação de militares no comando, soldados armados com fuzis e tanques de guerra na vida cotidiana dos moradores do estado do Rio de Janeiro, promovendo, assim, a imagética da guerra, do combate e do extermínio ao arrepio das instituições democráticas. Em declaração pública de autoridade ministerial relativa ao decreto, “guerra” foi uma das expressões utilizadas.
A justificativa do decreto baseou-se apenas na vaga imagem de “por termo a grave comprometimento da ordem pública”. Tal justificativa não descreve nem se fundamenta em dados empíricos que demonstrem a gravidade, instabilidade e descontrole da ordem pública e democrática ao ponto de habilitar a intervenção de forças militares.
Tal quadro é agravado diante das declarações de autoridades legitimadas pelo decreto do fato dessas mesmas forças, agora legitimadas pelo decreto presidencial, proclamarem a necessidade de intervir com apoio da ferramenta inconstitucional de “mandados genéricos de busca e apreensão” e de controle exclusivo de seu acionar através da Justiça militar, excluindo as autoridades judiciárias civis, bem como o controle social. Somam-se as declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ao considerar necessário dar aos militares “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”. Afirmativas do tipo evidenciam brutalmente não apenas a rejeição ao controle externo, mas a negação de uma política da memória que permita a impugnação, punição e repetição de graves violações aos direitos humanos.
Segundo Nota Técnica Conjunta (PGR_00072549/2018) de 20 de fevereiro de 2018, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão afirma que: Em hipótese alguma a previsão no decreto interventivo de “natureza militar” do cargo de interventor alterará a substância civil de sua atuação, inclusive para fins de definição de jurisdição competente para o controle de seus atos e sobre a sua responsabilidade.
Sem ponderar aqui as motivações políticas e/ou político partidárias da decisão, que de modo algum deveriam justificar uma medida tão grave, a ABA expressa seu apoio, enquanto vigir o decreto, a medidas de controle e fiscalização, através de órgãos civis, como a Defensoria Pública, a Ouvidoria Externa, bem como de outras associações civis defensoras dos direitos humanos. Ressaltamos a necessidade, assim, de disponibilizar canais de denúncia, sistematização e intervenção civil diante das violações de direitos da população do Rio de Janeiro.
A ABA reitera seu compromisso com a defesa dos direitos civis e dos direitos humanos de toda a população, especialmente dos setores vulnerabilizados pela situação social e econômica, bem como pela sistemática e cotidiana atuação violenta das forças de segurança. Para eles nada de novo se vislumbra com o decreto presidencial, que longe de inventar a roda, reitera a escolha por medidas que vem fracassando, no Rio de Janeiro, pelo menos desde 1992.
Resulta evidente que não é com violência, armamento, liberdade de ação e aços de “guerra”, que se garante a ordem pública em um estado democrático de direito. Reforçamos, assim, nosso compromisso com a vigência desse estado e dos direitos e deveres a ele atrelados.
Brasília, 27 de fevereiro de 2018.
Associação Brasileira de Antropologia e sua Comissão de Direitos Humanos
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