Nota de repúdio às intervenções ambientais para realização da Stock Car em Belo Horizonte

O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia vem a público manifestar repúdio às ações realizadas pelo poder municipal e organizadores do campeonato brasileiro de Stock Car em Belo Horizonte no âmbito do licenciamento ambiental da atividade. Em dezembro de 2023, a Prefeitura de Belo Horizonte assinou um termo de acordo com empresa organizadora da competição automobilística para a realização consecutiva do evento na capital mineira ao longo de cinco anos. O local selecionado para a atividade é o entorno do estádio de futebol Mineirão, entre as avenidas Rei Pelé, Abraão Caram e Coronel Oscar Paschoal, classificada, de acordo com plano diretor, como Área de Grandes Equipamentos de Uso Coletivo (Ageuc). Não obstante, parte significativa dessa Ageuc incide nas Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs) da Pampulha e da Bacia da Pampulha, além de constituir Área de Proteção Cultural definida pelo IEPHA e pelo IPHAN. Conforme aponta o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte, essas ADE’s têm como objetivo proteger e valorizar “o patrimônio arquitetônico, cultural, ambiental e paisagístico da área”, bem como “assegurar condições de recuperação e de preservação ambiental da área da bacia hidrográfica da Pampulha” situada em Belo Horizonte[1].

A realização do circuito automobilístico no local exige expressivas e preocupantes intervenções ambientais tais como: a reconfiguração de logradouros públicos com a remoção de passagens de pedestres, quebra-molas, semáforos, calçadas e canteiros centrais; geração de efluentes líquidos relacionados ao abastecimento dos veículos; emissão de poluentes atmosféricos durante o evento; geração expressiva de ruídos, incompatíveis com a fragilidade da área, onde está instalado o Hospital Veterinário; além da supressão de vegetação, em especial, 73 espécimes, incluindo, ipês-amarelos,da espécie Handroanthus serratifolius, que é  imune ao corte, de preservação permanente e de interesse público, no Estado de Minas Gerais, segundo a Lei n.9743/88.

A despeito do Parecer Técnico (n.0129/24) contrário emitido pela Secretaria de Meio Ambiente de Belo Horizonte, o Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM) aprovou, no dia 23/02/2024, o corte das árvores no entorno do Mineirão. A remoção das árvores, também, obteve parecer técnico favorável do IPHAN (n.06/2024), para a realização da primeira edição do evento, vinculada às medidas compensatórias previstas no projeto apresentado à instituição.  A supressão foi iniciada na semana seguinte, em 28/02/2024, apesar da expressiva mobilização contrária de organizações e movimentos ambientalistas da capital. Na mesma data, a Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) emitiu nota expressando preocupação com a condução do processo de organização do evento. A manifestação da reitoria sublinha a ausência de interlocução com a comunidade universitária e com a administração da instituição, sobretudo, tendo em vista a sensibilidade do campus Pampulha que abriga o Hospital Veterinário, biotérios e a Estação Ecológica, significativo refúgio para fauna no entorno da Lagoa da Pampulha.

Em 29/02/2024, a supressão das árvores foi suspensa por liminar judicial que acentuou os “danos irreversíveis para o meio ambiente e os munícipes”. Mesma data em que se realizou audiência pública, pela comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que teve como objetivo debater os impactos socioambientais do empreendimento. A despeito da mobilização social e ambiental frente aos distintos impactos previstos, na região, a retomada do corte foi autorizada judicialmente na última sexta-feira, e teve seu início nesta segunda, dia 05 de março de 2024, evidenciando as tensões e disputas em torno das consequências ambientais do empreendimento para a realização do evento.

O Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos manifesta seu repúdio à direção das ações pelo COMAM, poder executivo e organizadores da Stock Car quanto à condução precipitada nas intervenções, à falta de diálogo com a comunidade e ao desprezo da análise técnica relacionada à importância ambiental e fragilidade da área.  Além disso, denuncia o caráter expressivo dos efeitos associados à supressão vegetal, que se agrava quando miramos no debate sobre as mudanças climáticas e enfrentamos a necessidade de redução das emissões de carbono, mais ainda, nas grandes cidades como Belo Horizonte.

Brasília, 06 de março de 2024.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos

Leia aqui a nota em PDF.

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[1]Lei Municipal no 11181/2019, arts. 226 e 194, respectivamente.

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