A Associação Brasileira de Antropologia, através de seu Comitê de Gênero e Sexualidade, vem a público manifestar forte repúdio à censura em relação ao cinema brasileiro promovida pelo atual governo federal. No último dia 13 de Agosto uma subsidiária do Banco do Brasil abriu edital para seleção de filmes que receberiam investimentos da empresa via Lei do Audiovisual. No referido edital constam questionamentos sobre “cenas de nudez ou de sexo explícito” e sobre os filmes possuírem “cunho religioso ou político”, sendo a primeira vez nos últimos anos em que questões desse tipo foram propostas (Fonte: https://bit.ly/2NcGZe5. Acessado em 19.08.2019 às 11:50).
Na mesma direção, no último dia 16 deste mês, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou ter vetado filmes com temática LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais) cujos realizadores buscavam autorização da ANCINE (Agência Nacional do Cinema) para captar recursos através da Lei do Audiovisual. Entre os filmes vetados constavam, por exemplo, uma série documental que aborda as dificuldades e os desafios cotidianos de cinco pessoas trans vivendo no Ceará e um filme enfocando narrativas de homens homossexuais negros do Distrito Federal. Como se não bastassem tais atos autoritários, Bolsonaro afirmou também que, se pudesse, exoneraria toda a direção da ANCINE e que só não o fez porque tais membros possuem mandatos de quatro anos (Fonte: https://bit.ly/2KVcE0P Acessado em 19.08.2019 às 11:55).
Tais inadmissíveis práticas de censura não apenas nos deixam atônitos e atônitas, como também nos fazem recordar tenebrosos episódios do passado recente do Brasil – ao longo da Ditadura Militar (1964-1985) – nos quais comissões exclusivamente dedicadas à censura de obras artísticas e audiovisuais alteravam, descaracterizavam, coibiam ou mesmo proibiam a produção de obras consideradas política ou moralmente “questionáveis”. Tolerar práticas explícitas de censura, ainda mais provenientes do chefe do Poder Executivo, atenta contra as bases mais caras ao Estado Democrático de Direito, como o direito à liberdade de expressão, no caso de realizadores e realizadoras no cinema, e o direito a existir e ter visibilidade, no caso de pessoas LGBTI.
Em um país internacionalmente conhecido pelo alto número de assassinatos de pessoas LGBTI – que beiram a prática do extermínio no que diz respeito a travestis, transexuais e transgêneros – era de se esperar de um Presidente da República o incentivo a políticas públicas de fomento do respeito e enfrentamento da violência no que diz respeito à diversidade sexual e de gênero. Infelizmente, na contramão da garantia de direitos e da cidadania de LGBTI, o presidente Bolsonaro tem se destacado nacional e internacionalmente por posições públicas que alimentam o ódio, a intolerância, a desinformação e a incompreensão.
Obras audiovisuais que apresentem as vidas, as dores, os desafios e as alegrias de pessoas que se identificam como LGBTI no Brasil contemporâneo são cruciais e mais necessárias do que nunca. Tal censura torna-se ainda mais preocupante por afrontar recente decisão do Supremo Tribunal Federal que criminaliza a homofobia, a lesbofobia e a transfobia, podendo ser assim caracterizada como crime de responsabilidade.
A ABA, por fim, exige que tais atos sejam invalidados e questionados por todos os meios e instâncias legais cabíveis e expressa sincera solidariedade aos realizadores e realizadoras, às suas obras e às pessoas nelas retratadas, que desafortunadamente sofrem mais uma vez com a vergonhosa retomada da censura em nosso país. Retomamos uma palavra de ordem que julgávamos que jamais precisaria ser proferida novamente no Brasil, mas que assoma mais uma vez nosso país sob o atual governo: Censura nunca mais!
São Paulo, 19 de Agosto de 2019.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê de Gênero e Sexualidade
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