A Associação Brasileira de Antropologia, por meio do seu Comitê de Gênero e Sexualidade, manifesta repúdio às nefastas posturas defendidas recentemente pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil nas reuniões preparatórias da ONU que acontecem em Genebra esta semana. Nos últimos dias os jornais brasileiros têm noticiado novas instruções do Itamaraty que vetam que em assuntos diplomáticos multilaterais seja usada a palavra “gênero”. Tais instruções também definem que “gênero” se resumiria apenas ao “sexo biológico”.[1] Como se não bastasse, o Governo Bolsonaro, no dia de hoje, também se absteve de votar na ONU sobre questões de saúde sexual e reprodutiva de populações afetadas por crises humanitárias, justo em um momento em que abundam notícias sobre violações de direitos humanos de mulheres e crianças em situação de crise humanitária.[2]
A postura de vetar qualquer referência ao termo “gênero” nas reuniões preparatórias para as resoluções da ONU, equiparando o Brasil a países que não têm compromisso histórico com os direitos das mulheres e de pessoas LGBTIs, é um fato muito grave e contribui para um aprofundamento da precariedade de milhões de pessoas vulneráveis. “Gênero” é um conceito científico de grande relevância, formulado há mais de cinquenta anos e estabelecido no âmbito da política internacional. Tal conceito contribui significativamente para um aprofundamento da compreensão científica, a partir de várias áreas do conhecimento, sobre processos históricos, sociais, culturais e políticos relacionados a identidades, diferenças, desigualdades e distintas formas de violência. Trata-se, assim, de um marcador social de diferença e de uma categoria analítica fundamental para o pensamento científico contemporâneo. Ademais, é um conceito básico para o estabelecimento dos direitos humanos e para a busca por maior equidade no mundo contemporâneo. A negação sistemática das pesquisas científicas através das posturas descabidas deste governo representa uma séria ameaça aos direitos de mulheres, de LGBTIs, de populações indígenas e quilombolas, além de ser um retrocesso político inegável.
As novas diretrizes do Itamaraty, além de aliarem o Brasil às posturas mais tacanhas em termos de política externa, também refletem um padrão que vem se repetindo no Governo Bolsonaro. Tal administração, ao invés de garantir os direitos humanos básicos, conforme se espera em um Estado Democrático de Direito, vem desenvolvendo práticas absurdas e condenáveis no Brasil e em sua política externa, que ampliam a vulnerabilidade e a precariedade de milhões de vidas.
Por fim, é importante frisar que tais posturas foram anunciadas no mesmo contexto em que o Supremo Tribunal Federal decidiu favoravelmente à criminalização da homofobia e da transfobia, equiparando tais expressões de violência ao crime de racismo. Ocorreram também às vésperas do dia 28 de Junho, data celebrada mundialmente como referindo-se ao Orgulho LGBT. A tentativa de silenciamento de gênero e sexualidade enquanto categorias de análise reproduz as desigualdades de gênero e sexualidade. Nesse sentido, as posturas retrógradas do Governo no que tange a tais temas em âmbito interno e de política internacional sinalizam, uma vez mais, para a necessidade de que os poderes Executivo e Legislativo brasileiros mobilizem-se na criação de leis e políticas que visem combater as desigualdades e violências relacionadas a tais eixos de subordinação e vulnerabilização, ao invés de reforçar o contexto em que tais desigualdades e violências se reproduzem e se aprofundam.
São Paulo, 28 de junho de 2019.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Gênero e Sexualidade
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[1] Fonte: https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/06/26/ao-dizer-que-genero-e-igual-a-sexo-biologico-ministerio-ignora-a-ciencia.htm. Acessada em 27.06.2019 às 13:26.
[2] Fonte: https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/06/26/brasil-se-abstem-em-voto-sobre-saude-sexual-e-reprodutiva-na-onu/ Acessada em 27.06.2019 às 13:08.