A Associação Nacional de Ação Indigenista – Anaí e a Associação Brasileira de Antropologia – ABA manifestam repúdio aos atos de violência que desde o ano passado têm ameaçado a existência do povo Pataxó, especialmente ceifando a vida de seus jovens. Desde junho de 2022, o povo Pataxó vem empreendendo uma série de retomadas de áreas invadidas de seu território tradicional. E desde dezembro do mesmo ano, esse processo se intensificou e ampliou através da ação denominada pelos seus líderes de autodemarcação, em alusão direta à paralisia do processo demarcatório das Terras Indígenas em todo o país, em específico, as TI Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá: “Se o Estado não faz, faremos nós! Pressionando a justiça pelo nosso direito!”.
A situação de vulnerabilidade ocasionada pela invasão territorial se arrasta há mais de vinte anos, quando tiveram início os estudos para regularização do território tradicional dos Pataxó. Contudo, a situação se agravou com a morosidade do processo demarcatório. A declaração da terra indígena, uma etapa fundamental que antecede a demarcação propriamente dita, até o momento não ocorreu, mesmo respondidas todas as contestações sobre a demarcação, e, em 2018, suspensos pelo Supremo Tribunal de Justiça mandados de segurança e interditos proibitórios que tentavam impedir o avanço do processo.
Sem a conclusão do processo demarcatório, os Pataxó permanecem sob extrema ameaça. Chama-nos atenção que seja a juventude o alvo primordial dos pistoleiros. Em setembro passado, vivenciamos a revolta e a dor pelo assassinato do jovem de 14 anos, Gustavo Silva da Conceicao Pataxó. Passados quatro meses, assistimos aterrorizados a notícia da perseguição e execução de Samuel Cristiano do Amor Divina Braz, de 25 anos, e Nauí Brito de Jesus Pataxó, de 16 anos. Os jovens foram perseguidos e alvejados em área tradicional Pataxó, que foi recentemente retomada das mãos dos invasores.
Esses jovens tinham em comum a característica de acompanhar a luta Pataxó e zelar pela sua tradição. Ocupar o território tradicional de seu povo é um direito constitucional que deveria representar a possibilidade de seus futuros e não de suas prematuras e violentas mortes. Absolutamente chocados e cientes do genocídio que os atravessa, os jovens pataxós revoltam-se e ao mesmo tempo lamentam a ausência de seus parentes e amigos em situações em que o sentimento de povo e coletividade aflora em seus corpos, como na realização de rituais: “Samuel tinha uma voz potente no Awê, é mais uma voz que se cala”.
O que nós, como sociedade, podemos dizer à juventude pataxó que tem a consciência de que é alvo? Afirmamos continuamente que ela representa o futuro dos povos indígenas, a expressão máxima da resistência e da atualização dos seus povos. Contudo, ela está tombando diante da covardia dos inimigos e da ganância dos invasores. Em nome do futuro representado pelos jovens, exigimos a investigação e a punição dos assassinos, a proteção das áreas retomadas das Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá e o andamento imediato dos processos demarcatórios até a sua conclusão. 0 Estado deve isso aos povos indígenas e a sociedade precisa ser voz consoante com seus povos originários!
Os governos recém empossados devem demonstrar o compromisso com os direitos dos povos indígenas e a sua proteção, agindo imediatamente para investigar e punir esses assassinatos e dar garantias de vida ao povo Pataxó. É preciso reverter imediatamente o quadro de violência miliciana que foi estimulado nos últimos anos.
Exigimos justiça pela memória de Samuel e Nauí. Registramos o nosso mais profundo pesar ao povo Pataxó e exigimos das autoridades a identificação dos assassinos e seus mandantes.
Salvador-BA e Brasília-DF, 20 de janeiro de 2023.
Associação Nacional de Ação Indigenista – Anaí e Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Leia aqui a nota em PDF.