Em dezembro de 2021, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) propôs uma nota técnica que inclui a eletroconvulsoterapia (ECT) como tratamento da “agressividade” em pessoas no espectro autista. No último dia 10 de fevereiro, ocorreu a 105ª Reunião Ordinária da Conitec, cuja pauta trouxe as contribuições da consulta pública ao tema. Houve uma redução da citação da ECT no documento, mas o tema não foi retirado da pauta do governo.
O Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (CODEA-ABA) vê com preocupação o encaminhamento da pauta da ECT, tanto no que tange ao entendimento do direito de que, se o paciente foi avisado dos efeitos colaterais e consentiu, não é tratamento desumano, quanto com relação a essa prática ser recomendada pelo sistema público de saúde. A ausência de base científica para essa intervenção em casos de autismo foi demonstrada em extensa análise na Nota de Protesto da Associação Brasileira por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça).
Durante a reunião, a Conitec posicionou-se afirmando que o objetivo não é incorporar a ECT no tratamento do autismo e que não faz essa recomendação, embora afirme haver relatos de seu uso no tratamento de “casos graves”. Esses relatos, no entanto, segundo a Abraça, se reduzem a apenas um artigo de opinião. Cabe ressaltar, ainda, que a própria noção de “consentimento” em situações de vulnerabilidade, como quando o ECT é recomendado para autistas, deve ser amplamente discutida, promovendo debates públicos.
Flavia Neves em seu texto Eletrochoque em autistas: quem cala consente? reforça a ideia de que a questão se agrava quando se trata de pessoas autistas não oralizadas e sem acesso à comunicação alternativa, pois a decisão costuma ser delegada às famílias ou aos responsáveis legais antes de uma análise do que é realmente o consentir, quais os verdadeiros riscos de uma intervenção e qual(is) o(s) limite(s) recomendado(s).
O CODEA vê a recomendação do ECT como mais uma ação de desmonte da Reforma Psiquiátrica brasileira empreendida pelo atual governo contra as lutas históricas do movimento antimanicomial, com o agravante de não ter havido consulta pública à comunidade autista em todo processo de decisão da pauta. Trata-se, portanto, de uma violação dos direitos humanos nos termos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Brasília, 16 de março de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Deficiência e Acessibilidade
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