Em maio de 2017, após 37 anos, a sociedade brasileira conseguiu finalmente aprovar uma nova Lei de Migração (Lei 13.445/17), superando o texto do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), normativa produzida no período militar, marcada pela suspeição do estrangeiro e pela defesa da “segurança nacional”.
O Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia vem, de longa data, participando do debate e monitorando a implementação da nova legislação e zelando por sua consonância com a constituição brasileira.
Resultado desse trabalho, conseguimos aprovar, num contexto de sucessivas negociações, uma lei migratória moderna, baseada, na medida do possível, na defesa de direitos e da mobilidade humana.
Entretanto, no dia 10 de julho de 2019, constatamos, com imensa preocupação, uma proposta de emenda, incorporada ao Projeto de Lei
1928/2019 do Senado Federal, através da qual o Ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro propunha incluir na nova Lei de Migração quatro novos artigos que, de modo separado e em seu conjunto, ferem os princípios que nortearam o debate da lei migratória atual e reinscrevem a intenção de ampliar o controle migratório, observando a imigração sob a ótica da criminalização das pessoas em mobilidade
A Portaria no 666, de 25 de julho de 2019, publicada hoje no Diário
Oficial da União, assinada pelo mesmo Ministro Sérgio Moro, e que dispõe “sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição”, confirma não serem infundados os temores do Comitê.
Além de restaurar, atualizar e até extrapolar o malfadado Estatuto do Estrangeiro, da época da ditadura, a Portaria 666 – ao evocar as “novas ameaças” estabelecidas pela comunidade internacional, como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e de ilícitos e até a pornografia ou exploração sexual infanto/juvenil – trata a priori migrantes como pessoas perigosas e suspeitas de praticar atos que contrariam a Constituição Nacional, sujeitas à deportação em função do enquadramento seja na lei antiterrorista (no. 12.360/2016), ou naquela referente ao crime organizado (lei no. 12.850/2013).
Dessa forma, extingue o foco em direitos humanos que era o cerne da Nova Lei de Migração. Fere também a Constituição de 1988, cujo artigo V explicita que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Fere ainda as bases de diversos acordos supranacionais dos quais o Brasil é signatário e que defendem a não criminalização da pessoa migrante e sua acolhida, buscando impedir qualquer tipo de detenção por motivos migratórios.
Por representar um atentado ao Estado Democrático, repudiamos veementemente a portaria 666/2019 e, por essa razão, clamamos por proteção internacional aos migrantes no e do Brasil.
Brasília, 26 de julho de 2019
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê de Migrações e Deslocamentos
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