Nota em solidariedade à população do Rio Grande do Sul frente aos atuais desastres ambientais no estado

A Associação Brasileira de Antropologia – ABA, por meio de seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, vêm a público expressar sua preocupação e solidariedade com a população do estado do Rio Grande Sul, que sofre, nos últimos anos, com eventos ambientais extremos que se alternam – de chuvas intensas a secas severas. Os recentes alagamentos, iniciados no dia 30 de abril de 2024, alcançaram uma escala catastrófica já anunciada, resultando tragicamente na perda de vidas, em danos ao meio ambiente e efeitos na economia da toda população gaúcha. Os relatórios de monitoramento mundial publicados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) e Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima, este último, encomendado pela Presidência da República em 2015, já apontavam chuvas acentuadas no Sul do Brasil, em decorrência das mudanças climáticas[1]. Vários outros estudos científicos de universidades nacionais e internacionais vêm evidenciando os riscos e a necessidade de ações preventivas, desconsideradas nos últimos anos pelos diversos níveis de governo.

É necessário, entretanto, compreender a atual catástrofe de alagamentos no Rio Grande do Sul como um evento crítico dentro de um contexto mais amplo de desastre ambiental vinculado a um modelo de desenvolvimento econômico insustentável, que tem estimulado a fragilização das legislações de proteção ambiental no Brasil em prol de grandes interesses econômicos privados. Além disso, acrescenta-se um contexto de negligência na manutenção e conservação das infraestruturas urbanas, juntamente com a ausência de um planejamento urbano que leve em conta de forma adequada o crescimento e o adensamento da ocupação da cidade. O ônus desse modelo recai de forma desproporcional sobre toda a população riograndense.

Dentre a população afetada, estão pessoas que vivem em zonas periféricas vulnerabilizadas socialmente, distintos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que historicamente vivenciam situações de injustiça social e racismo ambiental.  Um mapeamento colaborativo[2] identificou mais de 80 comunidades e territórios indígenas como diretamente afetados. Dentre os casos de excepcional gravidade estão os dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua.

O trabalho contínuo deste Comitê tem dado visibilidade às situações de pesquisa sobre processos de expropriação e vulnerabilização ambiental que a curto, médio e longo prazo constituem significativas ameaças e danos para povos e comunidades tradicionais. Ademais, este Comitê tem testemunhado e denunciado quadros de negligência do Estado no tocante à gestão pública ambiental, em especial, o controle sobre intervenções e empreendimentos que cerceiam o acesso desses grupos aos recursos naturais, bem como comprometem sua proteção em relação a estressores ambientais ou ocorrências climáticas extremas.

Neste momento, de expressiva calamidade, gostaríamos de convocar a mobilização de toda a sociedade civil, nos seus mais diversos segmentos organizados, para auxiliar as pessoas vitimadas e reivindicar das autoridades (nos níveis municipal, estadual e federal)  a  adoção de ações urgentes que, posteriormente, se transformem em medidas preventivas, para que novos desastres como este não voltem a se repetir. Outrossim, reiteramos nosso posicionamento de pressão junto ao poder legislativo, em suas diferentes esferas, para a manutenção e mesmo ampliação legal de mecanismos de regulação ambiental, assim como defesa e ampliação de direitos dos povos e comunidades tradicionais, seus reconhecidos guardiões.

Brasilia, 09 de maio de 2024.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos

Leia aqui a nota em PDF.

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[1]https://www.intercept.com.br/2024/05/06/enchentes-no-rs-leia-o-relatorio-de-2015-que-projetou-o-desastre-e-os-governos-escolheram-engavetar/ Acessado em 07 de maio de 2024.

[2] O mapeamento foi realizado em conjunto pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS). Fonte: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/05/Levantamento-Catastrofe-Ambiental-RS-2024-1.pdf. Acessado em 07 de maio de 2024.

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