Nota pela valorização da vida das mulheres e reconhecimento do feminicídio como crime hediondo

A Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia repudia  a decisão do Tribunal do Júri que atua no caso do julgamento do crime cometido por Claudio Gomes dos Santos, réu pela morte a pauladas de sua companheira Alberita Barbosa da Silva, na cidade de Maceió, que no dia 10 de outubro desclassificou o crime de feminicídio. Ao fazê-lo, os jurados entenderam que o réu não tinha a intenção de assassinar Alberita quando a agrediu com pauladas. Essa desqualificação reduz a pena do crime cometido por Claudio Gomes dos Santos, e, principalmente, demonstra a resistência da justiça e da sociedade brasileira em aderir a uma tipificação penal que evidencia o caráter específico das violências baseadas no gênero, o que é incontestável no caso de Alberita. Trata-se menos da intenção de matar, pois não se está discutindo dolo ou culpa, e mais de reconhecer as dinâmicas patriarcais que sustentam essas violências, subestimando-as e perpetuando-as, o que revela o desprezo pela vida das mulheres.

A compreensão do júri de que não há razão para classificar esse crime como feminicídio nos leva a refletir sobre os efeitos adversos da sanção da Lei n. 14.994 de 9 de outubro de 2024, que torna o feminicídio um crime autônomo no código penal, elevando a medida de reclusão de 20 a 40 anos. A partir dessa sanção, o feminicídio deixa de ser qualificado como uma modalidade de homicídio e se torna um crime hediondo.

A decisão do Tribunal do Júri vai na contramão do reconhecimento da gravidade do crime de feminicídio e das violências de gênero que assolam o país. Dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontam que o número de feminicídios subiu 0,8% em relação ao ano anterior. Nesse contexto em que 1500 mulheres sofreram feminicídio, e crescem os números oficiais de violência doméstica, estupro, perseguição, entre outros, desclassificar esse crime é uma violação aos direitos das mulheres e nos alerta para a necessidade de políticas e ações educativas repudiando as violências de gênero e valorizando direitos humanos que alcancem a população de uma forma mais ampla.

Brasília, 25 de outubro de 2024.

Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e sua Comissão de Direitos Humanos

Leia aqui a nota em PDF.

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