A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio do seu Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas, vem, por meio desta nota, manifestar preocupação e consternação relativas à aprovação do requerimento n. 511/2020, no dia 18 de Abril, de autoria do deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), cujo conteúdo prevê a tramitação do PL 7082/2017 em regime de urgência.
O PL 7082/2017 (antigo PL 200/2015) tem o objetivo de regular a pesquisa clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos no Brasil. Durante sua tramitação, o projeto assumiu diferentes versões, as quais incorporaram uma série de problemas e retrocessos éticos ao texto, como: o condicionamento do fornecimento do tratamento pós-estudo, a possibilidade de isenção de patrocinadores das pesquisas clínicas de algumas responsabilidades, a recomposição da CONEP com redução de representantes da sociedade civil e entre outros.
Além disso, o projeto passou a tramitar com redação que amplia seu escopo regulatório. Em sua última versão, aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, prevê-se, no artigo no. 73, que o PL abrange “pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento”. Esta situação coloca indevidamente as pesquisas das Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Letras, Linguística e Artes (CHSSALLA) submetidas ao paradigma biomédico e bioético que rege as pesquisas em saúde, notadamente as pesquisas clínicas. O PL, portanto, propõe um estatuto legal às regulamentações éticas existentes no país ao menos desde 1996, que pretende subjugar todas as formas de produção de conhecimento à biomedicina – cenário contra o qual a ABA, a SBPC e o Fórum das Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Letras, Linguística e Artes (FCHSSALLA) têm se posicionado firmemente ao longo das últimas décadas.
Em outubro de 2019, quando, pela primeira vez, uma inclusão semelhante foi feita no PL, representantes da ABA e da SBPC compareceram a uma audiência pública no Senado Federal e apontaram as inadequações no texto do projeto. Naquele momento, os parlamentares se comprometeram a manter o teor original do PL, qual seja, a regulamentação de pesquisas clínicas. Causa espanto e indignação, portanto, que, ao final da tramitação, o PL 7082/2017, cujo conteúdo já
apresenta fragilidades éticas dentro do escopo ao qual se destina, tenha seu alcance tão aumentado, sem o devido debate com as áreas de conhecimento, populações afetadas e ao arrepio do respeito à pluralidade epistemológica que marca a produção de conhecimento científico e acadêmico, conforme expressamos em nota emitida em 20 de Agosto de 2021.
A ampliação da abrangência do PL atenta contra a diversidade das formas de produção de conhecimento, notadamente aquelas do campo das Humanidades. Os referenciais normativos e epistemológicos do campo da biomedicina não são adequados ou suficientes para reger qualquer produção científica ou acadêmica fora de seu escopo, sendo, portanto, impertinente e aviltante a proposição de uma lei que submete todas as pesquisas a apenas uma área de conhecimento.
Diante do exposto, a Associação Brasileira de Antropologia requer respeitosamente à Câmara dos Deputados que o PL 7082/2017 se restrinja à regulamentação de pesquisas clínicas e seja excluído da redação o artigo 73, que prevê a ampliação do projeto para “pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento”.
Brasília, 20 de abril de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e seu Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas
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