A Associação Brasileira de Antropologia e seu Comitê Gênero e Sexualidade manifestam sua preocupação com a garantia do direito à vida, à integridade física e mental e à educação de adolescentes trans em instituições de ensino no atual contexto de disputa política que tem negado o direito ao nome social.
No Brasil, a Resolução 270/2018 do Conselho Nacional de Justiça garante o uso do nome social a travestis e transexuais em todos os âmbitos públicos e privados visando a efetividade dos direitos fundamentais e o respeito à dignidade humana. A mesma Resolução foi homologada pelo Ministério da Educação em janeiro de 2018, autorizando o uso do nome social em escolas, universidades e demais espaços educacionais em todo o território nacional. Tais normativas são explícitas ao não condicionar o direito ao reconhecimento da identidade de gênero à alteração de registro documental.
Entretanto, nos últimos dias, vários casos de exigência de alteração do registro civil para o reconhecimento do nome social têm sido noticiados na mídia e em redes sociais. O caso mais recente, ocorrido em 08 de fevereiro, na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo, envolveu a reivindicação, por parte de uma adolescente de 16 anos, de que seu nome social fosse utilizado pelos professores da escola onde estuda. Após negativa reiterada do direito ao uso do nome social, ao defender uma colega hostilizada por motivos raciais, teve o uso de seu nome de registro acionado como forma de humilhação por parte de colegas de turma, que não foram contidos pelo professor, a adolescente teve uma crise nervosa, durante a qual foi espancada por um grupo de estudantes do sexo masculino. O espancamento coletivo não foi contido por professores, funcionários ou direção da instituição de ensino e a polícia foi chamada, classificando a ocorrência como uma “briga generalizada”. De acordo com várias fontes de mídia, a única pessoa ferida, com várias lesões e fraturas, foi a adolescente. Em boletim de ocorrência, lavrado com a presença da família, registrou-se “ato infracional de lesão corporal”.
Este Comitê repudia a violência moral e física contra a adolescente e a ausência de intervenção institucional nesse último caso, bem como o desrespeito ao direito ao uso de nome social nos casos previstos por legislação e normativas específicas. Reitera que tais garantias têm se mostrado essenciais para a mudança de uma realidade de exclusão de pessoas trans nos espaços educativos formais e, de maneira geral, à garantia de Direitos Humanos dessa população.
Em um momento no qual a adoção do nome social e outros dispositivos que reconhecem a identidade de gênero permitem que mais travestis e transexuais adquiram uma formação universitária no Brasil, é inadmissível que o desrespeito a leis e normativas que protegem o uso do nome social e ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente levem a um caso de violência tão extremo quanto o da estudante da escola situada em Mogi das Cruzes.
Esperamos, assim, o posicionamento das instâncias responsáveis quanto à apuração dos fatos e acompanhamento da adolescente agredida. Disputas sociais em torno de direitos e questionamento a leis não podem levar a casos nos quais o direito à vida, à integridade física e mental e o direito à educação de adolescentes sejam violados.
Brasília, 14 de fevereiro de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Gênero e Sexualidade
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