A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), através de sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), vem a público manifestar preocupação com a situação de violação de direitos na aldeia indígena Laranjeiras, do povo Akroá-Gamella, localizada no município de Currais, Piauí.
A aldeia Laranjeiras é parte de um conjunto maior de aldeias do povo Akroá-Gamella, habitantes tradicionais da região do cerrado piauiense que, nas últimas décadas, vêm sofrendo as consequências da expansão da produção comercial de grãos, processo que tem provocado o desmatamento do cerrado, a abertura de estradas e o confinamento territorial dos povos indígenas e comunidades tradicionais em áreas cada vez mais exíguas.
Contando com o apoio oficial das três esferas de governo (federal, estadual e municipal), a expansão da monocultura de grãos no país tem trazido consigo a violação de diversos direitos dessas comunidades, sendo a mais recente provocada pela construção de um empreendimento rodoviário em parcela das terras da aldeia Laranjeiras.
As lideranças locais denunciam que, no início de fevereiro de 2024, a Comunidade Indígena de Laranjeiras foi surpreendida com máquinas realizando a supressão vegetal de uma parcela do território para a construção de uma rodovia (PI-392) interligando a sede de Currais à estrada PI-397 (Rodovia Transcerrado). Além de suprimir uma extensa área de vegetação preservada, o trecho em questão também destruiu áreas de roçado utilizadas tradicionalmente pelos/as indígenas para o cultivo de macaxeira, mandioca e arroz. Acrescentam que não houve processo de consulta livre, prévia e informada, conforme prevê a Convenção 169 da OIT.
Em comunicação à CAI-ABA, datada de 02/04/2024, as lideranças da comunidade informaram ainda que “no início de março de 2024, a Comunidade de Laranjeiras foi surpreendida por uma visita do Prefeito de Currais e, no dia 22/03/2024, por uma comitiva de representantes do Governo do Estado do Piauí – que visitou o território para tentar convencer as famílias a aceitarem a obra, para constrangê-las a acreditar que elas são responsáveis pelo ’atraso do projeto’ e para perguntar o que querem para que a construção aconteça (em uma tentativa evidente de negociar direitos inegociáveis). Na ocasião da visita da comitiva, os conflitos foram acentuados – promovendo-se uma situação de violação de direitos que impacta diretamente a segurança das lideranças indígenas (atualmente em contexto de ameaça). A Comunidade de Laranjeiras luta pela regularização fundiária da terra tradicionalmente ocupada pelo povo Akroá-Gamella no sul do estado do Piauí e enfrenta – além da construção da estrada sem consulta livre, prévia e informada – a restrição de acesso, a contaminação de suas áreas produtivas e de suas águas e os processos de adoecimento e morte daí decorrentes em virtude de grandes projetos do agronegócio instalados na região.”
Assim sendo, é urgente que os órgãos públicos responsáveis pela proteção dos direitos constitucionais dos povos indígenas intervenham na situação, de modo a garantir a segurança das lideranças Akroá-Gamella e a integridade do território e do modo de vida da comunidade, segundo os ditames da nossa Constituição Federal.
Brasília, 09 de abril de 2024.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI)
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