A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem por meio desta Nota Técnica manifestar seu apoio aos quilombolas de Alcântara face à recente aprovação pelo Congresso Nacional do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre o Brasil e os Estados Unidos.
O referido acordo fere os princípios democráticos brasileiros que asseguram a proteção às comunidades autodefinidas como “povos e comunidades tradicionais” nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Constituição Brasileira de 1988 conforme seus artigos 215 e 216 e, notadamente, o artigo 68 do Ato de Disposições Transitórias (ADCT), que assegura direitos às designadas comunidades quilombolas, cujo texto constitucional tem a seguinte redação: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) tem acompanhado a situação dos quilombolas de Alcântara, desde o início da década de 1980, com a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (C.L.A.). A criação do Grupo de Trabalho Quilombos/ABA, em fins da década de 90, reforçou o trabalho sistemático de pesquisas antropológicas na área autorizando um acompanhamento detido das situações de conflito. A implantação do C.L.A. em 1980, viabilizou a possibilidade do Estado brasileiro firmar acordos com países como a Ucrânia e os Estados Unidos, todos com efeitos desastrosos para os quilombolas. Com o processo de implantação do C.L.A. foram deslocadas mais de trezentas famílias quilombolas estabelecidas naquelas terras secularmente e as demais encontram-se em estado de permanente insegurança face às ameaças constantes de novos deslocamentos. Em 2002 foi produzido no âmbito do trabalho de perícia, por solicitação do Ministério Público Federal (MPF), o laudo antropológico de identificação e reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos. A ABA indicou o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida para a realização da perícia antropológica em função de seu extenso trabalho referido às comunidades de Alcântara. No âmbito do trabalho de perícia 139 comunidades quilombolas reivindicavam o reconhecimento nos termos do Artigo 68 do Atos e Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Em 2004 foi emitido certificado de reconhecimento dos direitos territoriais pertinente ao conjunto dessas unidades sociais, cabendo ao Estado dar continuidade aos procedimentos legais cabíveis de emissão do título de propriedade.
Mesmo com direitos constitucionais garantidos por dispositivos constitucionais consoante os termos do artigo 68 do Atos e Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) as comunidades quilombolas de Alcântara não tiveram suas terras tituladas e encontram-se constantemente ameaçadas de deslocamento em função de novos acordos. O recente acordo assinado entre o Brasil e os EUA e aprovado em quatro de setembro de 2019 pelo Congresso Nacional sancionou o uso comercial do C.L.A. Além disso, esse Acordo obstaculiza o desenvolvimento de uma tecnologia nacional aeroespacial. A criação da Agência Espacial Brasileira (AEB) em 1994 permitiu o desenvolvimento do Programa Nacional Brasileiro em Tecnologia Aeroespacial, exigindo altas somas de recursos públicos para o desenvolvimento de conhecimentos científicos em tecnologia aeroespacial. A despeito deste investimento o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas não contempla a possibilidade de troca de conhecimentos tecnológicos aeroespaciais, ameaçando assim a possibilidade de continuidade do Programa Espacial Brasileiro.
A ABA coloca-se contrária ao referido acordo por considerá-lo uma violação aos direitos quilombolas e um obstáculo ao desenvolvimento da ciência e tecnologia do estado brasileiro e por se contrapor aos direitos constitucionais assegurados pela Constituição Brasileira às comunidades remanescentes de quilombo.
Brasília/DF, 12 de setembro de 2019
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Quilombos
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