A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto com sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), lamenta profundamente os fatos ocorridos recentemente, que estão em investigação, redundando na morte de três caçadores não indígenas, cujos corpos foram encontrados no interior da T.I. Parakanã.
Manifesta também grande preocupação com a escalada de violência regional que se preanuncia, dando espaço a possíveis instrumentalizações do caso, com a consequente instauração de clima de insegurança e a amplificação de um sentimento anti-indígena. É em decorrência desta preocupante situação que vimos aqui solicitar do Ministério Público Federal (MPF) e da Força Nacional que garantam a segurança dos Parakanã. Solicitamos também que os órgãos públicos de Justiça apurem os fatos na maior brevidade possível, garantindo o devido processo legal. Em relação aos Parakanã, que lhes seja garantido o que estabelece a Resolução CNJ Nº 454 de 22 de abril de 2022, sobre diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas.
A seguir apresentamos algumas informações a respeito dos Parakanã e uma cronologia de eventos, que mostram claramente a situação de violência instaurada e sua preocupante escalada, desenhando um cenário que, sem controle, poderia vir a permitir a produção de novos fatos trágicos.
O povo indígena Parakanã, falante da língua tupi-guarani, e que se autodenomina Awaeté, é formado por dois grupos, os quais foram contatados em momentos diferentes, entre a região dos rios Tocantins e Xingu, no estado do Pará. Estão localizados na Terra Indígena Parakanã e na Terra Indígena Apyterewa.
O primeiro grupo foi contatado em março de 1971, em razão da abertura da Transamazônica, às proximidades do rio Tocantins, e reside na Terra Indígena Parakanã, distribuído em 11 aldeias, cuja aldeia base é Paranatinga.
O segundo grupo foi contatado em 4 momentos diferentes: em janeiro de 1976; em janeiro e novembro de 1983; e em janeiro de 1984, todos às proximidades do rio Xingu. Estes Parakanã estão distribuídos nas duas terras Indígenas. Aqueles contatados em janeiro de 1976 e em janeiro de 1983 vivem na TI Parakanã e organizam-se em sete aldeias, cuja aldeia base é Maroxewara. Os demais, isto é, aqueles contatados em novembro de 1983 e janeiro de 1984 habitam na TI. Apyterewa, às margens do rio Xingu.
Após grande redução territorial e intensa perda demográfica decorrentes do contato, os Parakanã têm conseguido, nas três últimas décadas, relativa recuperação populacional e estabelecer relação com a sociedade de entorno, preservando sua identidade, língua, cultura e território.
No dia 30 de abril 2022, três corpos foram encontrados na Terra Indígena Parakanã e os indígenas começam a ser acusados e ameaçados. Isto é, começam as ameaças de chacina e expulsão dos indígenas, em Novo Repartimento. O clima de tensão se espalhou para Marabá e para os “indígenas da região”.
Cronologia dos fatos:
24 de abril – é noticiado o desaparecimento de 3 homens de Novo Repartimento que haviam “entrado na Terra Indígena Parakanã para caçar”. Familiares dos desaparecidos solicitaram assistência da polícia militar. Posteriormente, a polícia federal entrou no caso.
30 de abril – as polícias militar e federal encontraram os corpos de 3 homens, no interior da TI. Parakanã. Os corpos foram enviados para necropsia em Marabá.
01 de maio – Ministério Público Federal solicita e a Justiça Federal/PA determina que a Força Nacional permaneça por 15 dias na Terra Indígena. É realizado o enterro dos três homens na cidade de Novo Repartimento/PA. Aumenta o clima de tensão nesta cidade.
01 de maio – Reportagem da Amazônia Real publica o acontecimento e relata clima de tensão. https://amazoniareal.com.br/justica-determina-segurança-da-Forca-Nacional-na-terra-dos-Parakana; é noticiado o enterro dos invasores, em Novo Repartimento;
02 de maio – a FEPIPA (Federação dos Povos Indígenas do Pará) divulgou uma carta nas redes sociais pedindo atenção ao clima de tensão que se instalou contra os Parakanã: https://www.instagram.com/p/CdDo85MLVXe/?igshid=MDJmNzVkMjY=;
02 de maio – Os Parakanã de Maroxewara divulgaram uma carta nas redes sociais relatando o clima iminente de conflito;
02 de maio – os Parakanã de Maroxewara informam que faltam alimentos na aldeia.
03 de maio – crescem os rumores de riscos de violência contra os Parakanã. Ameaças proliferam nas redes sociais e em cartazes pela cidade.
04 de maio – os Parakanã de Maroxewuara confirmam as ameaças e relatam que velhos, mulheres e crianças deixaram as aldeias e estão refugiados na mata.
Cresce a preocupação com o risco de chacina.
05 de maio – pesquisadores do Pará e professores de Marabá que fazem a formação de professores indígenas Parakanã divulgam uma carta pedindo proteção e defesa para os Parakanã.
Entre 06 e 07 de maio – homens Parakanã de outras aldeias relacionadas à Paranatinga se deslocam para esta aldeia para apoiá-los.
06 de maio – Os Parakanã informam que uma advogada havia informado que a Defensoria Pública teria acesso ao inquérito e que as investigações estão curso e nenhum Parakanã havia sido acusado ainda;
06 de maio – reunião on line com CIMI Marabá, indígena Parakanã, professores da UNIFESSPA, que dão aula para os Parakanã. Forma-se o grupo de apoio aos Parakanã. Elegem-se como prioridades: proteção aos Parakanã pela Força Nacional; apoio jurídico complementar à defensoria pública; segurança alimentar e atendimento à saúde; divulgação dos fatos.
09 de maio – os Parakanã da aldeia Maroxewuara informam que há doentes na aldeia que estão sem atendimento médico. MPF responde que vai entrar em contato com CASAE.
10 de maio – os Parakanã da aldeia Paranatinga informam que a Força Nacional saiu da Terra Indígena e, ao que parece, teria se deslocado para Tucuruí, sem explicar a razão aos indígenas. Informam também que há invasores na TI, tirando açaí. Eles estão com medo de um ataque surpresa e de uma chacina.
13 de maio – Grupo de Apoio aos Parakanã recebe informação de uma Profa. de Novo Repartimento sobre um abaixo assinado, organizado por um vereador do município, que “pede justiça no caso dos jovens que foram mortos na aldeia indígena”. Este abaixo assinado será enviado a Brasília – diz o texto: “Gente precisamos de 4000 assinaturas pro nosso abaixo assinado quem quiser nós ajudar pode chamar que levamos até vc.” (sic);
13 de maio – Grupo de Apoio informa que começou a ser divulgada na cidade de Novo Repartimento uma nova versão do caso, de que os três homens não teriam invadido a TI, mas sofrido uma suposta emboscada (ou “casinha”, como chamam) nas margens da Transamazônica. Informa também que se está buscando fazer com que o inquérito seja remetido à justiça comum, individualizando-se o crime e responsabilizando também o cacique de Paranatinga.
Brasília, 17 de maio de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI
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