Brasília, novembro de 2018
A ABA vem se manifestar diante da Declaração e Nota Pública publicada por Edward Luz no Estadonet de 16 de outubro de 2018. A nota revela teor pautado em total desacordo com os direitos assegurados na Constituição Federal de 1988. Desconsidera que o direito à autoidentificação étnica já foi julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 08 de fevereiro de 2018, por ocasião do julgamento da Ação de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, tornando inválido qualquer questionamento jurídico ou administrativo neste sentido no país.
A Nota Pública revela visível afronta ao que assegura a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e o Decreto 4.887/2003, no que diz respeito ao direito à autoconsciência da identidade indígena ou quilombola.
Não é excessivo retomar as orientações da Convenção OIT 169 que, como assinala a procuradora Duprat, supera as classificações totalizantes, “porque são, como denunciado pelos estudos culturais, categorias discursivas em torno das quais se organizou um sistema de poder e exclusão; porque são formas de racismo, ao destacarem determinadas características de um grupo e representá-las como fixas, inerentes, transmitidas pela cultura e pela herança biológica. (…) Por outro lado, é preciso resistir à tentação de essencializar comunidades, como entidades orgânicas, autossuficientes e autônomas. A despeito de permanecerem distintas, são atravessadas constantemente pelo entorno. Isso não significa declínio ou perda de identidade, mas, antes, identidades que se fortalecem pela abertura de novas possibilidades. (…)” (Duprat 2014:60).
O Quilombo Tiningu teve Portaria de reconhecimento e demarcação publicada no Diário Oficial da União em 15 de outubro de 20108, reconhecendo um território quilombola de 3.850 hectares onde vivem cerca de 90 famílias. O processo de reconhecimento deste território pelo INCRA está regulamentado pelo Decreto 4.887/2003, que estabelece os ritos para um procedimento administrativo adequado, resguardando inclusive etapa para contestações e de recursos, não cabendo recursos externos, como a Nota intimida.
Ignorando esses ritos legais, a Nota ao evocar a tese de ´fraude étnica´ suspeita da existência de identidades indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais. Diante do exposto, a ABA refuta a Nota Técnica.
A ABA recomenda às autoridades a imediata titulação do território quilombola pelo INCRA, bem como a rigorosa investigação policial pelo assassinato do quilombola Haroldo Betcel, ocorrido em setembro de 2018, devido a conflitos em torno dessa regularização fundiária, de forma a coibir as intensas ameaças e o acirramento dos conflitos e garantir à proteção ao território e comunidade quilombola.
A ABA reitera que o direito quilombola não promove o conflito étnico e a segregação etnoracial. O reconhecimento e regularização dos territórios são direitos conquistados historicamente pelas comunidades quilombolas e pelas populações negras do Brasil, assegurando o seu patrimônio cultural afro-brasileiro, como prevê a Constituição Federal e para que continuem existindo como expressões da nacionalidade brasileira.
Comitê quilombos da ABA
Associação Brasileira de Antropologia