Sobre a construção da Central Nuclear do Nordeste

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem por intermédio desta nota manifestar extrema preocupação com o adequado cumprimento dos dispositivos legais relativos aos direitos humanos e ambientais, especialmente dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais a serem afetados pelo Projeto da Central Nuclear do Nordeste, elaborado pela Eletrobrás/Eletronuclear e planejado para ser implantado nas margens do Rio São Francisco, no município de Itacuruba, Sertão de Itaparica, Pernambuco.

Desde os anos 1980 Itacuruba está na rota dos empreendimentos energético-nucleares. Mais recentemente, em 2009 foram veiculadas notícias na imprensa regional e nacional sobre as estratégias governamentais para viabilizar a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Além do governo federal, os então governadores de Pernambuco e Bahia manifestaram interesse em receber usinas. Estão tramitando no Congresso Nacional vários projetos de emenda constitucional (entre eles a PEC 122/2007 e a PEC 09/2019) que visam autorizar e criar incentivos ao setor privado a construir e operar reatores nucleares para fins de geração de energia.

Em abril passado, a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (Nuclep) noticiou que o Ministério de Minas e Energia (MME) havia definido Itacuruba como o município mais propício para a construção de uma nova central nuclear com envergadura para seis usinas nucleares. Em setembro passado, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), líder do Governo no Senado, anunciou que o Governo Bolsonaro está retomando o projeto de novas usinas no país, e que no caso de Pernambuco a melhor localização continua sendo Itacuruba.

Mais de 100 organizações sociais, entre elas a ABA, divulgaram uma carta em maio passado posicionando-se contra a implantação de novas usinas nucleares no Brasil, em especial no município de Itacuruba (http://www.cppnacional.org.br/noticia/mais-de-100-organiza%C3%A7%C3%B5es-assinam-carta-contra-implanta%C3%A7%C3%A3o-de-usina-nuclear-em-itacuruba-pe).

Coincidentemente, os grupos técnicos (GTs) de identificação e delimitação de Terras Indígenas desconstituídos pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na última semana de outubro passado, e reconstituídos com pseudo-antropólogos na sua coordenação, realizarão trabalhos na mesma região escolhida para instalação do complexo energético-nuclear.

Vivem, no Sertão de Itaparica, em área circunscrita ao município de Itacuruba e arredores, seis povos indígenas (Pankara Serrote dos Campos, Pajeú de Itacuruba, Tuxá Campos, Tuxi, Tuxá de Inajá e Tuxá de Roledas) e onze comunidades quilombolas (São Gonçalo, Tiririca, Ingazeira, Negros do Pajeú, Filhos do Pajeú, Raízes do Pajeú, Negros de Gilu, Poços dos Cavalos, Borda do Lago, Enjeitado e Poço Dantas). Além disto, a população de Itacuruba tem se mostrado contrária à instalação do empreendimento no município.

Chegam-nos notícias de que as populações locais estão passando por vários tipos de assédios, inclusive ameaças como a de que, se a central nuclear não for em Itacuruba, que está apresentando grande resistência, será nas imediações, possivelmente em Belém do São Francisco. Uma audiência pública está programada para acontecer neste mês de novembro em Itacuruba.

No momento, está em discussão um projeto de emenda à Constituição do Estado de Pernambuco, visando alterar seu Artigo 216, onde está definido que “Fica proibida a instalação de usinas nucleares no território do Estado de Pernambuco enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de outras fontes.”

Diante do exposto, vimos solicitar que, antes de qualquer deliberação sobre a instalação da central nuclear, sejam regulamentados e adotados os procedimentos de consulta junto aos Povos Indígenas e demais populações tradicionais afetadas, como estabelece o Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004 – que promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais. E que seja promovido um amplo debate envolvendo, além dos povos e comunidades locais, representantes de organizações civis, membros do poder público, pesquisadores e membros das sociedades científicas.

Brasília, 06 de novembro de 2019.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA; sua Comissão de Assuntos Indígenas; seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos; e seu Comitê Quilombos

Leia aqui a nota em PDF.

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