A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), junto a sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), vem por meio desta nota externar indignação e preocupação pelos atos de violência ocorridos nas últimas semanas, promovidos por grupos fortemente armados contra a população indígena na comunidade de Palimiú, na Terra Indígena Yanomami Ye’kwana (TIYY), estado de Roraima e na aldeia Munduruku Fazenda Tapajós, situada TI Munduruku (PA). Preocupa-nos em particular a ausência de medidas de proteção preventiva às comunidades atacadas e lideranças ameaçadas e a não retirada dos invasores. A atuação do atual governo para com os povos indígenas e a presunção de impunidade está gerando sérios e violentos agravamentos do desprezo aos direitos instituídos.
Nas duas terras indígenas se registra em comum a presença crescente de invasores ilegais; a presença de armas de fogo de grosso calibre e de repetição, portadas por grupos milicianos; bombas de gás lacrimogêneo lançadas sobre a comunidade indígena, no caso de Palimiú; a queima e destruição de uma casa de lideranças, no caso Munduruku, além de farta disponibilidade de combustível pelos agressores, em ambos os casos. Também ocorreram confrontos dos agressores com as autoridades do Estado brasileiro, em flagrante afronta ao estado de direito no país. No caso de Palimiú, houve confronto com policiais federais, em sua incursão na aldeia; no caso dos Munduruku, o confronto se deu com manifestantes que bloquearam a passagem das viaturas na operação policial contra os invasores das terras indígenas, no município de Jacareacanga (PA). Nas duas situações, não obstante a vulnerabilidade e o risco de novas agressões, as forças de segurança governamentais não se mantiveram presentes e de forma continuada na proteção das aldeias mais diretamente ameaçadas.
Estes conflitos não são os primeiros ocorridos este ano. Em abril houve conflitos na área Munduruku, e em março a Associação das Mulheres Indígenas Wakoborun foi invadida por pessoas relacionadas a grupos que apoiam o garimpo ilegal. O mesmo ocorreu na TIY, onde conflitos com mortes foram registrados neste ano e no ano passado. Diante disso, o que se viu em ambos os casos é claramente uma ação governamental insuficiente, reativa e paliativa na defesa da vida e dos direitos indígenas.
Manifestamos preocupação com a possibilidade de novas ocorrências com agressões armadas e ataques às lideranças e comunidades indígenas – sobretudo lembrando que todas elas contam com grande número de crianças e idosos, em geral a parcela da população mais desprotegida e afetada em situações de conflito armado. De fato, vale lembrar a morte de duas crianças Yanomami na aldeia Palimiú, que se perderam após os tiroteios em suas aldeias, vindo a óbito em decorrência de afogamento.
Preocupa-nos também sobremaneira que essa situação passe a ser experimentada por comunidades em outras Terras Indígenas, fato absolutamente plausível dado que nos dois últimos anos houve o acréscimo de 91% dos requerimentos para a exploração minerária nas áreas protegidas na Amazônia legal. No Congresso Nacional, tramita um conjunto de proposição legislativas que visam a flexibilizar os direitos dos povos indígenas, assim como a legislação ambiental, cujo objetivo é promover, entre outras atividades, e sem a devida consulta aos povos indígenas e suas legítimas representações, a mineração em Terras Indígenas (PDL 177/2021; PL 191/2020; PL 490/2007). Tal estado de coisas, ademais, se agrava grandemente pelo fato de acontecer em meio a uma pandemia, que já levou a óbito cerca de 1.100 indígenas no Brasil – segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Assim sendo, Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) entende como necessário e urgente que o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) atuem de forma incisiva para ações emergenciais protetivas da vida dos indígenas e comunidades ameaçadas, bem como para a apuração e a responsabilização dos envolvidos nos atos criminosos.
Ao Supremo Tribunal Federal (STF) especificamente, solicitamos mui respeitosamente que seja instalada, com a maior brevidade possível, a Sala de Situação sob a coordenação do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) Nº 709, conforme previsto no pedido de tutela provisória da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e acatada parcialmente pelo Ministro Relator em 24 de maio próximo passado.
Por fim, na busca de soluções viáveis no curto, médio e no longo prazo, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) se coloca à disposição do Ministério Público Federal (MPF) e do Supremo Tribunal Federal (STF) para colaborar na proteção à vida e aos direitos dos povos indígenas em nosso país.
Brasília, 08 de junho de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI
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