NOTA DA ABA CONTRA A MANIFESTAÇÃO DO OUVIDOR GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARÁ

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio dos seus Comitês Quilombos e Laudos Antropológicos e da sua Comissão de Assuntos Indígenas, vem a público expressar total repúdio à fala do Ouvidor Geral do Ministério Público Estadual do Pará, Procurador Ricardo Albuquerque, durante uma palestra a estudantes de Direito de uma faculdade particular em Belém, no dia 26 de novembro de 2019.

A respeito de sua afirmação de que indígenas no País “não gostam de trabalhar” e de que não haveria uma dívida histórica com relação à escravidão, ressaltamos dois pontos fundamentais. Primeiro, que o tráfico de africanos e africanas para as Américas foi fomentado por interesses comerciais, e não devido a uma suposta “preguiça” ou “incapacidade” da população indígena de trabalhar, como o é atestado por uma vasta e respeitada produção histórica, antropológica e sociológica, nacional e internacional. Em seguida, que a sociedade e o Estado brasileiros, por meio de diversos dispositivos legais e de políticas públicas, têm reconhecido, sim, a existência de uma dívida histórica coletiva para com a população negra e quilombola e os povos indígenas. Os indicadores sociais, tão dispares em quesitos como escolaridade, renda, expectativa de vida etc., entre a população auto definida como branca e aquela igualmente auto definida como parda e negra, expõem de modo cristalino as consequências dos estereótipos e do tipo de estrutura socioeconômica e cultural que os produzem. Sobre tal quadro é que se tem fundamentado o reconhecimento coletivo da dívida, passo fundamental para uma sociedade que se pretende ver como respeitosa da dignidade da população humana que a constitui, sem qualquer forma de discriminação negativa.

Um particular agravante da fala do Procurador está no fato de ser ele uma pessoa pública, cujas manifestações adquirem, portanto, um sentido público, a ressoar no exercício deste seu cargo.

Cabe notar, ainda e sobretudo, que os direitos destes segmentos sociais afetados estão registrados e garantidos na Constituição Federal de 1988, incluindo o direito de defesa contra as manifestações de racismo, sendo a Lei Nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989 bem clara na tipificação dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia.

Brasília, 29 de novembro de 2019.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitês Quilombos e Laudos Antropológicos e da sua Comissão de Assuntos Indígenas

Leia aqui a nota em PDF.

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