Através de seu Comitê de Antropólogas/os Negras/os e com apoio da Comissão de Direitos Humanos, do Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal e do Comitê de Estudos Africanos, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem se manifestar publicamente sobre o assassinato de João Alberto Silveira Freitas e pedir enérgicas providências das autoridades brasileiras no sentido de definir culpas e responsabilidades.
A cidade de Porto Alegre/RS, possui um histórico marcante na luta antirracista e por Direitos Humanos. A capital gaúcha foi berço do 20 de Novembro, data consagrada no Brasil como o “Dia da Consciência Negra”. Foi lá que, em 1971, o Grupo Palmares, formado por intelectuais e militantes negras e negros, dentre os quais destacou-se a figura do poeta e professor Oliveira Silveira (1941-2009), demandou o protagonismo negro como referência histórica nacional. A cidade também foi palco, bem como potência crítica e criativa, durante os anos em que sediou o Fórum Social Mundial (2001-2005). Naquele período, movimentos sociais diversos, nacionais e internacionais cunharam o slogan “Um outro mundo é possível”. Nesta última década, Porto Alegre foi reconhecida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) como cidade solidária de acolhimento a refugiados.
Foi na sequência desses esperançosos eventos que, em 2019, durante a XIII Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, teve início a criação do Comitê de Antropólogas/s Negras/os da ABA, momento histórico para a antropologia brasileira. O Comitê visa uma atuação científica diversa, inclusiva e comprometida com valores caros ao campo da antropologia, tais como ética, defesa de grupos sociais historicamente marginalizados, compromisso com a pauta de direitos humanos, centralidade na luta antirracista, consolidação da democracia, da educação pública e da autonomia universitária. Essa atuação encontrou eco, neste ano de 2020, durante a 32a Reunião Brasileira de Antropologia pelo alinhamento teórico-político com o tema proposto: saberes insubmissos, diferenças e direitos. Nessa linha, também incorporamos a Comissão deDireitos Humanos da ABA, atuante desde 1998, em prol da defesa dos direitoshumanos, em especial dos grupos vulnerabilizados pelas políticas de Estadoresultantes na negação de direitos e cidadania, nessa manifestação como formade somar esforços e vozes contra as diversas formas de violência física emoral.
Por tudo isso, não podemos nos calar ou emitir apenas mais uma nota de repúdio diante de um 20 de Novembro, em que a cidade de Porto Alegre amanheceu ensanguentada. E esse sangue, sintomático da violação de Direitos Humanos em que “vidas negras não importam”, era de João Alberto Silveira Freitas. Um homem negro assassinado em espaço público por forças de segurança de um estabelecimento comercial, especificamente no supermercado da empresaCarrefour. Para que o nome de João Alberto não se some ao nome de Júlio César de Mello Pinto, assassinado nos mesmos moldes em maio de 1987, e assim tenhamos mais um “caso do homem errado”, entre osmilhares de assassinatos de pessoas negras no nosso país, é que não lavamos nossas mãos e pedimos paz, mas erguemos nossas mãos e exigimos justiça. Por isso, exigimos que as autoridades brasileiras, encarregadas de investigar o caso, o façam com a maior eficiência, rapidez e transparência possíveis, contribuindo não apenas para punir os culpados da morte de João Alberto, mas também para que se discuta a responsabilidade social e coletiva implicadas no racismo estrutural com suas inaceitáveis consequências.
Brasília, 24 de novembro de 2020.
Associação Brasileira de Antropologia; seu Comitê de Antropólogas/os Negras/os; sua Comissão de Direitos Humanos; seu Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal; e seu Comitê de Estudos Africanos
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