O Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) torna pública a Nota sobre o Projeto de Lei 7082/2017, cujo teor, caso seja aprovado na íntegra, representa um risco para a prática antropológica e demais ciências humanas e sociais.
Em especial, nesta nota, apontamos a importância da exclusão do Art. 73 do PL, uma vez que tenta homogeneizar as metodologias, práticas consideradas científicas e éticas a partir do padrão das pesquisas clínicas em seres humanos. O debate plural sobre ética e proteção dos direitos dos indivíduos que participam das pesquisas não pode ser silenciado por meio de leis divergentes de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e do fazer antropológico (e das Ciências Humanas e Sociais em geral), pois engessa a prática e inovação que acompanham as discussões sobre a construção do conhecimento científico. Desse modo, seguem abaixo pontos importantes que devem ser levados em consideração na construção de uma governança científica democrática, cuja preocupação seja dar conta da diversidade de se fazer ciência.
- O Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas da Associação Brasileira de Antropologia tem acompanhado a tramitação no Congresso do Projeto de Lei 7082/2017 com preocupação. Inicialmente, esse PL tinha o objetivo de regular a pesquisa clínica com seres humanos e instituir o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos no Brasil. No entanto, a versão aprovada na terça-feira, 03/08/2021, retirou a palavra “clínica” do texto, incluindo novamente as Ciências Humanas e Sociais em seu escopo.
- Preocupa-nos a redação que seguirá para o plenário, uma vez que o escopo do PL durante a tramitação foi indevidamente alargado, de modo a abranger todas as “pesquisas com seres humanos”, embora seu conteúdo seja destinado às “pesquisas clínicas”. Tal situação ocorreu em pelo menos dois momentos durante a tramitação do PL 7082/2017 na Câmara dos Deputados: em 2019, quando foi proposto na CCTC que o PL passasse a regulamentar todas as pesquisas “envolvendo seres humanos” e, em 2021, quando versão do projeto aprovada na CCJC estabeleceu que, uma vez aprovada, a lei passa a se aplicar “às pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento” (Art. 73 – parecer do Deputado Áureo Ribeiro – Solidariedade/RJ). Nota-se, portanto, que a retirada da palavra “clínica” abrange indevidamente o campo das pesquisas em ciências humanas, sociais e sociais aplicadas, sujeitando essas áreas a prescrições éticas que são insuficientes e incompatíveis com seus métodos e técnicas do fazer científico.
- É sabido que a pesquisa científica é feita a partir do debate plural e inclui diferentes áreas de conhecimentos, de técnicas de pesquisa e epistemologias diversas. A versão atual do PL busca estabelecer como normativa de valor legal os fundamentos, práticas, valores e formas de regulamentação específicos da pesquisa clínica experimental como referência normativa para todas as práticas de pesquisa, inclusive das Ciências Humanas e Sociais. Cabe salientar, contudo, que as práticas e lógicas de investigação da pesquisa clínica não são necessariamente coincidentes ou automaticamente compatíveis e extensíveis a todas as áreas de conhecimento. Muito pelo contrário, diversos procedimentos provenientes das áreas da Saúde, da Medicina, da Biomedicina, dentre outros, muitas vezes podem se antagonizar com os modelos standards das Ciências Humanas e Sociais.
- Nesse sentido, ressaltamos a importância dos destaques de bancada DTQ 3 e DTQ 5, que corrigem o texto do PL 7082/17 para que regule somente a pesquisa clínica e experimental – escopo original do projeto. O DTQ 3 corrige a redação focando na pesquisa clínica; e o DTQ 5 exclui o Art. 73, que prevê ampliação do PL para “pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento”, que acaba por englobar as Ciências Humanas e Sociais.
- A retirada do Art.73 corrigirá os possíveis impactos danosos às pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, que como pode ser observado, utiliza de outros referenciais epistemológicos para sua consecução. Ademais, ao retirar as Ciências Humanas e Sociais do PL não sobrecarregará a apreciação dos protocolos de pesquisa submetidos para avaliação ética.
- As Ciências Humanas e Sociais não são avessas aos controles instituídos para a governança democrática, republicana e igualitária do campo científico. Afinal, são reguladas por suas entidades científicas, pelos seus pares, pelas agências de fomento, bem como pela sociedade civil em geral. Nossa preocupação é a naturalização da burocratização do trabalho científico, em particular se tal procedimento se assenta em critérios, lógicas e práticas científicas absolutamente estranhas à realidade das Ciências Humanas e Sociais.
Brasília, 18 de maio de 2022.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e seu Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas
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