O Comitê de Trabalho sobre Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público manifestar sua profunda preocupação pela forma com que o licenciamento ambiental de megaempreendimentos minerários tem sido perigosamente rotinizado na dinâmica de atuação da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) do estado de Minas Gerais. A pauta da 72ª Reunião Ordinária da CMI, a se realizar no dia 26 de março de 2021, às 9h, reproduz um padrão que causa imensa indignação.
Constam em pauta para a referida reunião nada menos que 13 (treze) processos de licenciamento, alguns envolvendo grandes empreendimentos minerários, como o da Vale S.A. – Complexo Mariana – Mina de Alegria/Fábrica Nova em Mariana e Ouro Preto; Minas-Rio, da Anglo American Minério de Ferro Brasil S.A./Extensão da Mina do Sapo, em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas; e o da AngloGold Ashanti – Córrego do Sítio Mineração S.A./Mina Cuiabá, em Sabará e Caeté.
Esses megaempreendimentos minerários têm deflagrado conflitos ambientais de grandes proporções no Estado de Minas Gerais, em virtude dos gravíssimos danos impostos ao meio ambiente, aos territórios e às comunidades situadas no entorno dessas atividades. Além disso, a desatenção para com os riscos inerentes à natureza, à abrangência e ao ritmo da extração minerária – tal como se configura nos últimos anos neste estado – tem constituído o cenário e o motor de alguns dos maiores desastres ambientais jamais verificados no País.
O Licenciamento Ambiental deve constituir a oportunidade para a avaliação séria, cuidadosa e exaustiva de diagnósticos que considerem substantivamente o conjunto dos impactos, dos riscos e das transformações a serem provocadas pela implantação da atividade minerária em cada uma das localidades e territórios, atravessados que são, estes, por diferentes modos de vida, diferentes formas de apropriação da terra e da natureza, reconhecidamente responsáveis pela manutenção do patrimônio cultural e biológico do Estado de Minas Gerais. Somente esse exercício, realizado responsavelmente, no seu devido tempo, e de modo a agregar participações diversas da sociedade civil, pode fundamentar um efetivo juízo de viabilidade ambiental.
Nesse sentido, enxergamos na pauta excessiva da 72ª Reunião Ordinária da CMI, e em outros dispositivos desenhados para “suprimir” o tempo do processo – como a intercalação entre reuniões ordinárias e extraordinárias – a própria negação das condições mínimas capazes de sustentar a realização dos objetivos precípuos do licenciamento, levando à sua real transformação em mero procedimento cartorial. Essa compressão do tempo do licenciamento se soma à grave apreciação de licenças concomitantes, resultando em prejuízos ao processo democrático, que depende da revisão pública dos procedimentos que conduzem à tomada de decisão. Tais condições inviabilizam o direito a uma participação efetiva, devidamente informada, da sociedade civil; constrangem e esvaziam o debate público – que deveria exprimir substantivamente as complexas questões envolvidas na implementação e no desenvolvimento da atividade minerária; e impõem, a todos, a majoração dos riscos.
Apelamos para o senso de responsabilidade das autoridades do estado de Minas Gerais no sentido de reverterem esse modus operandi que tantas consequências nefastas tem causado à população de Minas e do Brasil. Que o processo de licenciamento ambiental siga um rito que o torne técnica e moralmente apto dentro do estado democrático de direito.
Belo Horizonte, 25 de março de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos
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