Nota pública pela imediata inclusão dos quilombolas no plano de vacinação da COVID -19

O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a COVID-19 excluiu as comunidades quilombolas do grupo prioritário da vacinação, apesar dos quilombolas se encontrarem fortemente impactados pelos efeitos da pandemia. Até o presente momento, nenhum Plano Emergencial de enfrentamento à COVID -19, específico para as comunidades quilombolas foi executado no país, o que trouxe graves consequências à saúde dessas famílias e contribuiu para o aumento do número de contágios e de mortes. Durante os meses de pandemia tais famílias tiveram sua Segurança Alimentar afetada, principalmente pela redução da comercialização dos produtos agrícolas e a precarização dos vínculos de trabalho. A este fato, soma-se as altas taxas de hipertensão e diabetes registradas entre adultos de mais de 60 anos nas comunidades, potencializando os riscos de comorbidades e mortes nos casos de infecção. 

No momento em que mais precisavam de segurança e proteção do Estado os quilombolas se viram diante de violências e ameaças, inclusive com a intensificação de contatos com agentes institucionais externos às comunidades, ampliando as possibilidades de contágios.

Segundo um levantamento feito pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e publicado no dia 5 de dezembro, foram registrados, entre quilombolas, 4.703 casos da doença e 171 mortes, além de 1.418 casos em monitoramento. A taxa de mortalidade por Covid em quilombolas da região Norte, por exemplo, chega a 11,5%, três vezes maior do que a média nacional de 3%. Tais números não podem ser ignorados e fazem-se necessárias medidas urgentes de vacinação, principalmente se considerarmos as subnotificações.

O Plano de Vacinação, previsto para iniciar no dia 20 de janeiro de 2021, e antecipado para o dia 18 de janeiro de 2021, sequer menciona os quilombolas nesta primeira fase da vacinação.  Ignorando, portanto, a situação de vulnerabilidade que as comunidades quilombolas estão enfrentando deste o início da pandemia.

Esta omissão levou o Ministério Público Federal (MPF) a instaurar o procedimento n. 1.30.009.000085/2020 solicitando informações à Secretaria e Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde sobre a inclusão dos quilombolas na primeira fase da campanha de vacinação.

Ressaltamos a existência de leis que garantem os direitos de proteção aos quilombolas a exemplo da Lei n. 14.021/2020 que institui medidas para evitar o contágio e a disseminação da doenças entre os povos tradicionais. A despeito destes direitos o Plano de Vacinação omite os quilombolas e restringe a vacina dos indígenas àqueles com terra homologadas.

A omissão dos quilombolas do Plano de Vacinação desconsidera direitos conquistados através de Convenções Internacionais a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa Convenção dispõe, no artigo 25, de quatro quesitos referidos à situação de garantia de direitos à saúde dos povos e comunidades tradicionais, transcritos a seguir:

  1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição dos povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a esses povos os meios que lhes permitam organizar e prestar tais serviços sob a sua própria responsabilidade e controle, a fim de que possam gozar do nível máximo possível de saúde física e mental.
  2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais.
  3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à formação e ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e se centrar no atendimento primário à saúde, mantendo ao mesmo tempo estreitos vínculos com os demais níveis de assistência sanitária.
  4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com as demais medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país.

A omissão do Governo Federal, no que diz respeito à aplicação dos direitos e à proteção no que se refere à saúde dos quilombolas contraria direitos conquistados. Diante do exposto a inclusão dos quilombos no Plano de Vacinação faz-se urgente como medida para conter a trágica situação de expansão da pandemia a um grupo vulnerável da sociedade brasileira.  A ausência da imediata vacinação acirra as disparidades sociais e étnico-raciais como ameaça à vida das comunidades e de seus territórios. Defendemos, portanto, a imediata inclusão dos quilombolas no grupo prioritário do Plano de Vacinação da Covid 19.

Brasília, 26 de janeiro de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Quilombos

Leia aqui a nota em PDF.

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