Nota sobre o adiamento da homologação de terras indígenas pela Presidência da República

A Associação Brasileira de Antropologia, através de sua Comissão de Assuntos Indígenas, vem se pronunciar sobre o grave episódio de adiamento da homologação de terras indígenas pela Presidência da República, no último dia 18/04/2024.

O episódio é da mais alta gravidade por desrespeitar os procedimentos constitucionais e administrativos relativos à regularização fundiária de terras indígenas. Ao afirmar que decidiu não assinar a homologação de 4 de 6 terras indígenas por consulta a interesses locais, de gestores estaduais e municipais, o Presidente Lula desrespeita completamente os direitos dos povos indígenas, e desconsidera que o momento previsto para possíveis desacordos, previsto no procedimento administrativo de demarcação das TI, já havia sido contemplado.

O processo demarcatório é regulamentado pela Constituição Federal de 1988, pelo Decreto Presidencial 1775/96 e pela Portaria 14/96, da Funai, além de uma vasta jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Federal. Uma vez iniciado, o processo de regularização fundiária passa por diferentes etapas na Funai, no Ministério da Justiça e na Presidência da República. Legalmente, a fase de manifestação e contraditório dos interessados na terra indígena ocorre ainda quando o processo está na Funai. Superadas estas questões, a terra indígena é declarada pelo Ministério da Justiça e recebe os marcos físicos. Após isso, a Presidência da República tão somente homologa o processo num rito administrativo rotineiro, sendo desnecessária a espetacularização midiática que tem sido observada no último ano.

A consulta informal aos governadores, alegada pelo Presidente como condicionante para a homologação das terras, constitui um flagrante descumprimento das obrigações legais da Presidência, instaurando arenas de revisão de direitos completamente alheias aos ditames constitucionais. O ato do líder do poder executivo federal nos leva de volta ao período da Ditadura, com o famigerado “Grupão Interministerial”, que era uma câmara política de revisão de direitos constitucionais, no qual as demarcações das terras indígenas eram deliberadamente reduzidas ou inviabilizadas por interesses particulares e locais, com flagrante desrespeito aos estudos técnicos da Funai.

É urgente que a Presidência da República adote uma postura legal no respeito e cumprimento dos mandamentos constitucionais e assine a homologação das Terras Indígenas Xukuru-Kariri (AL); Potiguara de Monte-Mór (PB); Morro dos Cavalos e Toldo Imbu (SC) sem tergiversações, visto que as lideranças indígenas só souberam da negativa à homologação duas horas antes do anúncio oficial, em um ato de desrespeito a quem, por décadas, espera uma assinatura que nada mais é do que a confirmação de um direito já garantido pelo processo legal.

Brasília, 29 de abril de 2024.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI)

Leia aqui a nota em PDF.

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